Maya Gabeira, ligada a Portugal pelo mar da Nazaré

Depois de quase perder a vida em águas portugueses e de ser a mulher que surfou a maior onda de sempre, na Praia do Norte, a brasileira faz de Portugal a sua casa e alerta para o perigo da Nazaré perder a sua alma.

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Maya Gabeira a surfar na Praia do Norte Rafael Marchante/Reuters

A maior parte dos surfistas de ondas gigantes esteve nos últimos dias no Havai, para a Triple Crown (um conjunto de três provas disputadas entre o fim de Novembro e o início de Dezembro), mas Maya Gabeira permanece na Nazaré durante o Inverno, quando pode aproveitar a companhia do mar, indiferente à água gelada. “Todo o surfista prefere surfar sem muitas pessoas ao lado. E eu sempre gostei de um estilo de vida mais pacato. A Nazaré se encaixa bem com o meu espírito”, revela.

A brasileira prefere este cenário bucólico ao enxame de turistas e mostra preocupação com o destino da população residente da vila piscatória portuguesa, que pode ter o seu futuro ameaçado pelo aumento do preço das rendas no centro da localidade. Após uma volta de carro pela vila com a surfista, foi possível contar mais de uma dezena de anúncios de venda afixados nas janelas das habitações. “Eu espero que nunca percam [a sua vila], porque tem charme e muita cultura. A pesca é muito forte aqui e eu quero que os nazarenos sempre ocupem este espaço central na cidade e no seu estilo de vida”, confessa Maya.

Aos 31 anos, a brasileira teve reconhecido pelo Guinness, em Outubro, o recorde de maior onda já surfada por uma mulher, de 20,72 metros, em Janeiro, na Praia do Norte. Em 2013, ela sofreu um acidente grave quando tentava surfar uma onda gigante na Nazaré. Maya ficou inconsciente, fracturou o perónio, foi resgatada por uma equipa de apoio e transportada ao Hospital de Santo André, em Leiria. Os dois factos ligam para sempre a brasileira com a Nazaré. “Eu morei no Havai e em Los Angeles muitos anos, mas agora Portugal é a minha casa”, afirmou a surfista.

Ela não gosta de confusão na “sua casa”. Depois de recolher um pedaço de papel do chão do Forte São Miguel Arcanjo e guardá-lo no bolso das calças de ganga até encontrar um recipiente de lixo, Maya caminha tranquilamente pelo monumento. Seria impossível para ela andar por ali na época alta sem ser abordada a todo o momento para selfies e autógrafos. A surfista conversa com todas as funcionárias do local, onde uma de suas pranchas está exposta na “Surfer Wall”, a galeria com os equipamentos, fotos e histórias de ícones do surf de ondas gigantes.

O forte é o termómetro do aumento do turismo na Nazaré, que tem cerca de 15 mil habitantes. Este ano, o monumento bateu em Setembro o recorde de visitantes, com mais de 174 mil entradas. Apenas nos seis primeiros meses de 2018, foram 30 mil visitantes a mais do que no período homólogo. “Era uma cidade mais vazia e o turismo fica aquecido quase o ano todo por causa do surf. Mas não traz prejuízo à cidade. Não é algo, ainda, que atrapalhe meu estilo de vida no Inverno, ainda consigo estacionar meu carro em todo canto”, confessa a surfista.

No Verão há mais turismo e Maya prefere passar a estação na Ericeira, onde comprou uma casa e vive com a cadela Naza. Quando está na Nazaré, arrenda um apartamento.

Filha do jornalista e ex-deputado federal brasileiro Fernando Gabeira, Maya, a surfista confessa que o seu pai não partilha o mesmo amor pelo mar. “Ele visitou a Nazaré, deu uma olhada e disse: ‘Sim, muito bonito. E agora, vamos fazer o quê?’”, brincou Maya.

Ao caminhar na Praia do Norte ainda vestida com um fato vermelho de surf, um grupo de turistas asiáticos aparece surpreendentemente na areia vazia. Maya é simpática, sorri e diz ao grupo umas palavras em inglês, o mesmo idioma utilizado para cumprimentar um surfista estrangeiro que saía da água. “This morning was fun”, disse, para comentar a manhã de surf clássico.

Maya surfa na Nazaré desde 2013 e irá, enfim, viver o Inverno inteiro na cidade pela primeira vez. Após a homologação do recorde pelo Guinness, a sua rotina de compromissos na cidade tem sido intensa. Antes, de Janeiro a Setembro, enfrentou um desafio quase tão grande quanto a onda de mais de 22 metros, ao passar meses tentando convencer o Guinness. “Surfar a onda foi muito mais difícil, porque foram anos de treino e obstáculos. Mas garantir que ela fosse homologada foi uma grande burocracia”, contou Maya, pentacampeã do Big Wave Awards.

Para os próximos anos, Maya, que começou a surfar com 14 anos, evita fazer um planeamento detalhado. Quer apenas seguir em cima da prancha tentando aumentar a fasquia do recorde. Mas já sabe o que irá fazer quando chegar a hora da reforma. “Eu nunca sei muito do futuro, espero surfar por alguns anos em alta performance, em ondas gigantes. Mas depois quero muito velejar, conhecer o mundo desta forma, trabalhar com isso”, resume.

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