Democracia, desinformação, corrupção e imigração: uma viagem pelos eurobarómetros

Satisfação dos europeus com a democracia tem crescido a par da prosperidade pessoal, mas espanhóis, franceses, ingleses e italianos não dizem o mesmo. Portugueses estão cada vez mais interessados em ver debatido o tema da imigração

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Maio de 2018: Associações de imigrantes em protesto em Lisboa frente ao Parlamento Rui Gaudencio

O aparecimento de movimentos populistas não é uma fonte de preocupação para os europeus, que até estão mais satisfeitos com o modo como funciona a democracia na Europa (49%) e nos seus países (58%), segundo o último Eurobarómetro, publicado em Outubro. Mas o mesmo já não acontece com a luta contra a desinformação e contra a corrupção, motivando o descontentamento de dois terços dos cidadãos.

O índice de satisfação com a democracia ressentiu-se bastante com a crise económica e financeira: a partir de 2009 verificou-se uma queda acentuada a nível europeu e nacional, mas dois anos depois, a tendência já era de estabilização e a partir de 2016 regista-se uma subida progressiva.

A prosperidade pessoal tende a ter um impacto directo na percepção dos cidadãos face à democracia e se as suas expectativas não se concretizam no plano económico, este apoio pode erodir rapidamente. Também por isso, na União Europeia (UE), nos países com o PIB mais elevado per capita e os índices de desemprego mais baixos estão, geralmente, os cidadãos mais satisfeitos. O inverso também é verdade.

Portugal poderia ilustrar esta tendência: o grau de satisfação com a democracia atingiu o ponto mais baixo desde 1993 em 2013 (16%) e desde então subiu a pique até atingir valores (61% em relação à Europa e 68% face ao país) que superam mesmo a marca mais elevada dos últimos 25 anos, espelhando a tendência ascendente do PIB e a redução progressiva da taxa de desemprego. 

Mas nem tudo são boas notícias. Quatro dos cinco maiores países que integram a União Europeia (Reino Unido, a França, Espanha e Itália) registam níveis de satisfação com a democracia inferiores à média da UE.

Por outro lado, metade dos europeus considera que a União Europeia não está na direcção certa contra apenas 28% que concordam com o rumo que está a ser seguido. E a tendência negativa agravou-se nos últimos seis meses. Em Portugal, pelo contrário, quase metade dos portugueses concorda com o rumo traçado pela Europa.

Tranquilos nas liberdades fundamentais

Não são os direitos políticos ou as liberdades fundamentais que estão em causa quando os europeus falam de democracia. Mais de dois terços entendem que as eleições na União Europeia e nos seus países são livres e justas e que a liberdade de expressão está assegurada, revela um Eurobarómetro especial divulgado em Novembro. A oportunidade de participação na vida política, a diversidade dos media ou o respeito pelo Estado de Direito colhem igualmente apoio maioritário e os portugueses colocam-se até acima da média europeia nestes indicadores. Aliás, Portugal lidera a tabela dos 28 em termos de satisfação quanto à diversidade dos meios de comunicação (82% face a uma média europeia de 58%).

É no combate à corrupção que há mais a fazer: apenas 36% dos europeus acham que esta batalha está a ser ganha e, em Portugal, são menos de um terço (30%) que assim pensam.

Os europeus estão também descontentes com a luta contra a desinformação (apenas 40% dão nota positiva neste indicador), ainda que esta preocupação não tire o sono aos portugueses que estão entre os menos apreensivos com o fenómeno das chamadas fake news. A razão para este desprendimento poderá estar no facto de que Portugal – a par da França e de Chipre – estar entre os países onde menos pessoas participam ou acompanham debates políticos nas redes sociais: apenas 18% admite fazê-lo em tempo de eleições.

Por outro lado, menos de metade dos europeus (e dos portugueses) considera que os partidos políticos têm em conta os seus interesses, com valores abaixo de um terço em países como Grécia ou França. 

Abertura a novos partidos

Isto também poderá explicar a receptividade e a visão positiva que a maioria dos cidadãos da UE expressa em relação à constituição de novos partidos e movimentos políticos, como refere o Eurobarómetro publicado em Maio passado.

Esta é uma tendência que se agudizou nos últimos anos: entre 2013 e 2018, surgiram mais de 70 novos partidos e alianças na Europa – e muitos com um discurso anti-sistema. Mais de metade (43) conquistou assentos parlamentares em eleições legislativas, com o Podemos em Espanha e o movimento Cinco Estrelas em Itália a assumirem-se como os casos mais paradigmáticos.

Apenas 38% dos europeus considera que esta evolução pode ser uma ameaça à democracia. Os portugueses estão abertos a esta tendência e têm uma opinião até mais favorável do que a média europeia: 61% (quando a média da UE é 56%) considera que estes partidos e movimentos podem trazer uma mudança necessária e 58% (média da UE: 53%) entende que estes serão “mais capazes” de encontrar novas soluções para os problemas do país. Ainda assim, Portugal está entre os países onde a rejeição do status quo só por si é menos valorizada: 77% dos inquiridos considera que o facto de se ser contra algo não significa uma melhoria.

Imagem da UE em alta

O apoio à UE também nunca esteve tão elevado entre os europeus e mais de dois terços dos Estados-membros considera que o seu país beneficiou com a adesão - a percentagem mais elevada dos últimos 35 anos. E 62 por cento dos cidadãos europeus consideram ainda que é “bom” pertencer à União.

Este é o culminar de uma tendência gradual que se iniciou em Maio de 2011, mas encontra no Outono de 2016 um ponto nevrálgico: desde o referendo do Brexit, o apoio à UE e às suas instituições aumentou de forma significativa. Esse é também o momento de inflexão para o indicador que mede se os cidadãos acreditam que a sua voz tem peso na Europa: desde Setembro de 2016 subiu 11 pontos percentuais e, pela primeira vez na última década, em 2018, a maioria dos inquiridos (são hoje 48% contra 47%) deu resposta afirmativa.

Portugal acompanha a tendência. A pertença à União Europeia é vista como positiva pela maioria dos portugueses (67%), ficando acima da média europeia, e 78% dos cidadãos lusos considera que a adesão foi benéfica para o país. Ainda assim, e ao contrário da tendência na Europa, menos de metade dos portugueses (36%) considera que a sua voz conta na Europa e esse valor desceu 7 pontos percentuais nos últimos seis meses.

Este apoio generalizado disfarça, aliás, uma ampla variação regional: se 87% dos luxemburgueses e 85% dos irlandeses vêem a pertença à União Europeia como algo positivo, na República Checa ou na Itália, esta percentagem não vai além dos 42%.

Eleições europeias mobilizam poucos portugueses

Em geral, os europeus dão bastante menor importância às eleições para o Parlamento Europeu do que às legislativas nacionais. No entanto, as próximas eleições estão a mobilizar maior interesse do que escrutínios anteriores: 51% dos europeus e 43% dos portugueses atribuíram relevância ao tema em Setembro – a oito meses do sufrágio -, quando em 2014 este nível de interesse só foi atingido a um mês das eleições.

Isto não significa, contudo, que haja mais portugueses a sair de casa para votar em 2019. Em Setembro, 31% dos cidadãos da União afirmavam ser muito provável a sua ida às urnas e 18% admitiam esta possibilidade. Cerca de 41% sabia a data das próximas eleições, uma subida de nove pontos percentuais desde Abril. Já em Portugal, apenas 24% está a par de quando serão chamados a votar nas próximas eleições europeias e somente 12% consideram a sua ida às urnas muito provável.

Recorde-se que, em Portugal, as últimas eleições europeias registaram a participação mais baixa de sempre (33,67%), um valor inferior a metade do registado na primeira eleição europeia em que participaram, em 1987, (72,42%) e bem abaixo da afluência às últimas legislativas (55,84%).

Mais informação e mais candidatos jovens

O que poderia fazer a diferença para uma maior afluência às urnas? Os europeus entendem se estivessem mais bem informados sobre a UE e o seu impacto na sua vida quotidiana que isso influenciaria a sua disponibilidade para votar: 43% dos europeus e 45% dos portugueses pensam assim, revela o Eurobarómetro especial de Novembro.

A existência de mais candidatos jovens (31%) e de mulheres (20%) foram outros factores valorizados por europeus e portugueses. Os cidadãos lusos elencaram as suas prioridades na mesma ordem, ainda que valorizem mais o rejuvenescimento da classe política (25%) do que a participação feminina (18%).

Por outro lado, o método de definição de cabeças-de-lista (chamado spitzenkandidaten), que permitiu aos cidadãos europeus participarem indirectamente no processo de eleição do Presidente da Comissão Europeia, em 2014, está a ser bem recebido. Quase metade dos europeus garante que isto aumenta a sua probabilidade de irem votar. Os portugueses estão até entre os que mais valorizam esta inovação: 77% entende que esta representa “um progresso significativo em matéria de democracia na União Europeia”.

Ainda assim, 70% dos cidadãos europeus defendeu que este novo método “só faz sentido” se acompanhado de um verdadeiro debate sobre a Europa e o futuro da UE, colocando as questões acima dos processos.

Entre os temas que mais interessam aos europeus, o consenso é elevado: no topo da lista estão a imigração (50%), economia e crescimento (47%), o combate ao desemprego jovem (47%) e a luta contra o terrorismo (44%).

A mobilizar o interesse de mais de um terço dos europeus estão ainda temas como a luta contra as alterações climáticas e a protecção do ambiente, a promoção dos direitos humanos e da democracia ou a protecção social dos cidadãos.

Os portugueses partilham muitas destas preocupações, mas dão primazia às questões económicas (65%), à resolução do desemprego entre os jovens (64%) e à protecção social dos cidadãos (49%). A imigração figura mais abaixo na lista de prioridades dos portugueses, mas está em crescendo: 35% quer ver este tema debatido na próxima campanha europeia e esse interesse subiu nove pontos percentuais desde Abril. 

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