Antes que seja tarde

Subsidiar os leitores é uma opção mais lúcida e adequada do que a concessão de apoios diretos às empresas de media.

O jornalismo desempenha um papel relevante neste mundo globalizado. Além de vigilante dos poderes, ele contribui para a identidade de um povo, podendo favorecer quer a coesão social, quer o diálogo entre culturas. Todavia, empresas financeiramente débeis constrangem o jornalismo de cumprir bem as suas funções. O bom jornalismo é caro!

Assistimos hoje a uma crise profunda na atividade jornalística, fruto sobretudo da incapacidade que o modelo de negócio tradicional da imprensa manifesta em responder aos desafios do tempo presente. A complexidade do panorama atual pode ser resumida numa lista de problemas:

  • A venda de jornais em banca continua em queda.
  • O digital continua a ser suportado por receitas provenientes da edição impressa.
  • A circulação digital paga dos jornais generalistas aumentou timidamente, mas o líder entre os diários viu descer as assinaturas digitais, tal como o jornal que recentemente desistiu da edição impressa diária.
  • Há cada vez mais cibernautas a usar software bloqueador de publicidade, o que inibe os media de beneficiar de uma fonte de receitas fundamentais desde a organização industrial da imprensa, no século XIX.
  • A atual aposta em textos promocionais em formato de notícia, para contornar a rejeição da publicidade, assemelha-se a um suicídio coletivo que faz lembrar as centenas de baleias que têm dado à costa na Nova Zelândia!
  • Cresce a dificuldade em distinguir informação falsa de autêntica, graças à internet que facilita a criação e propagação de fake news (no sentido de informação total ou parcialmente falsa para manipular) e permite a qualquer indivíduo tornar-se num poderoso espião ou soldado ao serviço de ideias mais ou menos obscuras.
  • A emergência dos populismos ameaça os jornalistas, acusados de serem parte da elite inimiga do povo. O resultado é a erosão da confiança dos cidadãos em produtos jornalísticos.
  • O mais perturbador dos problemas é a atual tendência dos indivíduos para a desvalorização da verdade (a pós-verdade), permitindo às fake news germinarem em terrenos férteis.

Apoiar o consumo de jornais de informação geral, por parte do Estado, tem sido ultimamente apontado como uma possível medida para se enfrentar o agudizar da crise no setor da comunicação social.

Subsidiar os leitores, salvaguardando a escolha do consumidor, é na minha perspetiva uma opção mais lúcida e adequada do que a concessão de apoios diretos às empresas de media. Isto é especialmente relevante num país como Portugal, onde os apoios do Estado aos media suscitam sérias dúvidas face ao histórico de instrumentalização dos media por parte, nomeadamente, do poder político, à semelhança de outros países do sul da Europa.

A educação é outra solução chave. Incentivar a leitura e aumentar a literacia mediática são uma urgência. Investir no ensino da História é indispensável para enfrentar a vaga de populismos que tendem a invocar um passado idealizado, muitas vezes negando a evidência dos factos.

A democracia liberal necessita do bom jornalismo. Ela corre sérios riscos se não aproveitarmos esta oportunidade para promover uma cidadania informada, esclarecida e exigente. Ela não sobreviverá se a informação jornalística séria for consumida apenas por uma pequena minoria endinheirada e intelectualmente interessada.

Uma ameaça ainda maior paira no ar: as deepfake (técnica que usa ferramentas de inteligência artificial para combinar e sobrepor imagens e vídeos)! Ninguém está preparado para o impacto que elas possam vir a ter!

Atuemos antes que seja tarde de mais.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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