Um livro infantil (e um projecto científico) conta a história do azoto bom e mau

Lançada esta quarta-feira, A História do Azoto, Bom em Pequenino e Mau em Grande quer explicar aos mais novos (e não só) os mistérios do azoto. Publicação faz parte do projecto NitroPortugal que mapeou as zonas de Portugal continental com mais poluição de azoto no ar e nos ecossistemas.

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Desenho do livro A História do Azoto, Bom em Pequenino e Mau em Grande, com texto de Vanda Brotas e ilustração de Rui Sousa

Numa pequena comunidade, a professora e os alunos organizavam um piquenique à beira do lago. Ao percorrerem as suas margens em busca do local para a festa, um grupo de estudantes descobre muitos peixes mortos. Mais tarde, na escola, há um concurso de feitiços e um “estranho” vencedor: “Faço-te um feitiço e todos os átomos de azoto do teu corpo se volatilizam.” Já numa aula, os peixes mortos e o feitiço suscitam muitas questões e ambos vão dar a uma palavra: azoto. Afinal, os peixes morreram porque o lago está poluído devido ao excesso de nutrientes, incluindo o azoto. Mas como pode ser o azoto prejudicial se faz parte de nós, como refere o feitiço? O azoto é bom ou mau?

Estas questões (e narrativa) são lançadas no livro infantil A História do Azoto, Bom em Pequenino e Mau em Grande escrito pela bióloga Vanda Brotas e com desenhos de Rui Sousa. Lançado esta quarta-feira às 18h no Pavilhão do Conhecimento (em Lisboa) – com entrada gratuita mediante inscrição –, esta é uma das iniciativas do projecto europeu NitroPortugal, que tem a missão de consciencializar para o problema do excesso de azoto reactivo no ambiente.

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Desenho do livro A História do Azoto, Bom em Pequenino e Mau em Grande, com texto de Vanda Brotas e ilustração de Rui Sousa

“O azoto [ou nitrogénio] é um elemento essencial à vida”, começa por dizer Pedro Pinho, do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c) e um dos investigadores do projecto. Afinal, este gás sob a forma N2 é o mais abundante na atmosfera terrestre, todos os organismos têm de o ingerir de alguma maneira e representa cerca de 3% da massa do corpo humano.

“Contudo, as actividades humanas, especialmente a agricultura e a queima de combustíveis fósseis, geram um excesso de azoto que é libertado no ambiente onde causa impactos negativos: degrada a qualidade da água, ar e solo, faz parte de um gás com efeito de estufa e degrada os ecossistemas. Daí o problema não ser o azoto, mas o excesso de azoto”, explica o investigador.

Portanto, o objectivo do NitroPortugal é dotar o país técnica e cientificamente para enfrentar o excesso de azoto no ambiente. “Isto foi conseguido abrangendo as áreas onde o azoto tem impacto: água, ar, gases com efeito de estufa, ecossistemas e solos”, conta. Coordenado pelo Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa e com a parceria do cE3c, o projecto contou ainda com o Centro para a Ecologia e Hidrologia de Edimburgo (Reino Unido) e a Universidade de Aarhus (Dinamarca).

Holanda menos colorida

Como a ferramenta disponível a nível europeu para analisar a concentração no ar e nos ecossistemas dos compostos azotados fornecia resultados com pouco detalhe a nível nacional, um dos desafios deste projecto com três anos (e que termina este mês) foi mapear Portugal continental. “Foi como passar de uma fotografia tirada por um sensor com poucos pixéis para outra com sensor mais poderoso, onde se pode ver mais detalhes e apontar com maior certeza as zonas problemáticas”, compara Pedro Pinho.

Verificou-se que as zonas com maior deposição total de compostos azotados (emissões de amónia e óxidos de azoto) estão no Norte de Portugal continental, nomeadamente nos distritos de Braga, Porto e Aveiro. Porquê? A combinação entre as actividades agrícolas, industriais e uma maior precipitação causa essa maior deposição local. Existem ainda valores elevados no distrito de Viseu (nos concelhos de Oliveira de Frades, Vouzela e São Pedro do Sul) e no de Faro (sobretudo no concelho de Loulé).

Além disso, como o excesso de azoto muda a biodiversidade, identificaram-se as zonas protegidas em maior risco por este tipo de poluição em Portugal. “Em países mais afectados, como a Holanda, muitas espécies desapareceram dos campos, o que se notou mesmo na monotonia das cores das plantas: nas zonas com maior excesso de azoto só ficam algumas espécies e todas com a mesma cor de flor”, assinala Pedro Pinho, dizendo que em Portugal ainda não se conheciam os ecossistemas mais em risco.

Para tal, através de inquéritos a peritos em flora, combinou-se a existência de excesso de azoto com a sensibilidade dos habitats. As áreas protegidas com maior risco – e próximas de zonas agrícolas – são Paul de Arzila (Coimbra), Corno de Bico (Paredes de Coura), Cambarinho (Vouzela) e Serra d’Arga (Alto Minho).

“Os resultados mostraram que em Portugal continental muitos ecossistemas que foram modelados pelo homem, como o montado, toleram alguma quantidade de azoto”, refere o investigador. Já, sobretudo no Norte de Portugal, os habitats aquáticos e os dominados por espécies como a turfa não suportam o excesso de azoto.

“Portugal, porque tem uma menor extensão de agricultura intensiva e menos indústria, tem menos problemas com o excesso de azoto relativamente a países como a Holanda”, aponta Pedro Pinho. Mas, como há zonas de maior risco, também se deve gerir esse excesso. Os transportes, a agricultura, a pecuária, a indústria e a produção e distribuição de energias são as actividades no país que mais emitem azoto, segundo dados da Agência Portuguesa do Ambiente. “Em Portugal, a produção de alimento depende da fertilização por azoto, mas o excesso de fertilização prejudica o ambiente”, refere o investigador sobre as duas faces deste elemento químico.

Ao longo do projecto, avaliou-se ainda o sucesso das directivas europeias sobre a qualidade do ar em Portugal. Se entre 2001 e 2015 se reduziu as emissões de dióxido de enxofre em cerca de 80%, a diminuição dos compostos azotados foi mais baixa: menos cerca de 25% para a amónia e menos cerca de 35% para óxidos de azoto.

“Em 2010, Portugal cumpria as metas acordadas, mas foram acordadas novas metas [na Directiva dos Tectos de Emissões Nacionais, de 2016] para a próxima década e para além de 2030 que teremos de cumprir”, aponta Pedro Pinho. “Contudo, para além das concentrações na atmosfera, temos de cumprir metas de protecção dos ecossistemas.”

Como se pode minimizar este problema? Deve-se reduzir as emissões de combustíveis fósseis, que geram óxidos de azoto. E cada um de nós pode melhorar as suas opções alimentares. Afinal, por cada molécula de azoto nos fertilizantes só consumimos uma pequena quantidade nos alimentos. O resto é lançado no ambiente.

“Só que nem todos os alimentos são igualmente ineficientes neste processo: se escolhemos consumir carne, aproveitaremos apenas 4% do azoto inicial. Mas se escolhermos consumir leguminosas estaremos a aproveitar 14% desse azoto inicial”, explica Pedro Pinho. “Uma alimentação com maior contribuição de leguminosas é mais eficiente e tem menos desperdício de azoto.”

Como beijinhos

Além de produzir artigos científicos, a equipa do NitroPortugal decidiu convidar toda a população para debater o tema. Para isso, fez-se um vídeo sobre a problemática, uma exposição e será lançada a 20 de Dezembro uma colecção de selos pelos Correios de Portugal. Esta semana é lançado então o livro de Vanda Brotas, que vai ser distribuído gratuitamente pelo cE3c e por outras entidades que colaboram no projecto.

Escrever livros infantis é algo que dá um certo “gozo” à bióloga. Desde 2000 que a investigadora do Mare – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Universidade de Lisboa escreve livros infantis. Começou com Histórias para Meninos ‘Não Quero’ (Gradiva, 2000) e seguiu-se O Namorado da Minha Mãe (Gradiva, 2007).

Depois, enveredou pela divulgação científica com Os Meus Amigos Triops (2016) para a Liga para a Protecção da Natureza e no último sábado apresentou A Menina que Via o Mar de Várias Cores (Gradiva), que aborda a observação de fitoplâncton através de satélites. Como tal, Cristina Branquinho (coordenadora do NitroPortugal na Faculdade de Ciências), desafiou-a para que escrevesse o livro sobre o azoto.

Como é escrever sobre o azoto? “Não é fácil”, assume a rir Vanda Brotas. “Para me ajudar, inspirei-me num caso que conheço.” Embora no livro não se indique um espaço concreto para a acção, a inspiração da bióloga foram as lagoas de São Miguel, nos Açores. “Há uma lagoa em particular, a das Furnas, que tem problemas de eutrofização [excesso de nutrientes no ecossistema] porque tem azoto a mais.” Ao longo do livro, aparecem ainda as típicas vacas dos Açores.

A partir daí desenvolveu-se uma história sobre a descoberta dos alunos sobre o que é o azoto e sobre o mistério dos peixes mortos num lago. Será que isso aconteceu devido às vacas, cujos excrementos têm muitos nutrientes, incluindo azoto? As vacas do avô de um dos alunos não são porque, diz ele, “são muito mansinhas”. Depois de algumas aventuras, descobre-se que o problema era de um esgoto que não era tratado. Toda a comunidade acaba por se envolver na história e o tal esgoto é tratado.

“A mensagem do livro é que devemos olhar à nossa volta e fazer pequenas coisas que façam a diferença, incluir a comunidade e perceber que o conhecimento é importante”, indica Vanda Brotas. Só com o conhecimento podemos agir (primeiro a nível individual) e depois criar soluções para todos, sublinha.

“A outra mensagem é que não há bom e mau e que somos todos um pouco responsáveis”, acrescenta a bióloga. Afinal, como diz uma das personagens do livro, o azoto é como os beijinhos. “É bom, mas quando são demasiados, deixam a cara toda lambuzada.”

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