Comprovação dos efeitos da cannabis medicinal é limitada, diz Observatório Europeu das Drogas

Relatório diz que estudos e ensaios clínicos são limitados e que mais investigação é precisa para ter mais dados sobre benefícios de medicamentos e substâncias à base da planta no alívio de sintomas de várias doenças.

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Na Holanda, os doentes podem comprar produtos à base da planta GUIDO BENSCHOP

A comprovação científica sobre o uso medicinal de cannabis no tratamento de sintomas provocados por algumas doenças é limitada, aponta o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência. No relatório Utilização de cannabis e canabinóides para fins medicinais: perguntas e respostas para a elaboração de políticas, aquele organismo conclui que é preciso mais investigação e estudos clínicos para avaliar melhor os efeitos benéficos e eventuais riscos associados ao consumo medicinal.

Salientando que não toma uma posição sobre o uso ou não da cannabis medicinal, o Observatório Europeu das Droga e da Toxicodependência faz, no relatório que publica esta terça-feira, um apanhado sobre a comprovação científica que existe em relação ao uso de medicamentos e de substâncias derivadas da planta. Para isso cita resultados de estudos e revisões realizados ao longo dos últimos anos. Mas também refere que os estudos existentes são poucos.

Assim, o relatório refere que há comprovação “moderada” para o controlo de espasmos e rigidez muscular em doentes com esclerose múltipla, no controlo de dor crónica não-oncológica, incluindo dor neuropática, e na redução de crises epilépticas graves, em crianças, provocadas por doenças raras (síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut).

No primeiro caso, o relatório diz que os doentes reportam melhorias, mas os estudos mostram um impacto limitado. Em Portugal o medicamento Sativex está autorizado desde 2012, mas só é possível obtê-lo através de uma autorização especial. Não é comparticipado e tem um custo a rondar os 500 euros. Entre 2016 e 2017, o Centro Hospitalar Lisboa Central dispensou 21 unidades deste fármaco.

Em relação à dor crónica não-oncológica, refere-se a existência de pequenas — “mas estatisticamente relevantes” — melhorias comparativamente com os pacientes que estavam a fazer placebo (substância sem propriedades farmacológicas). Já quanto ao uso de óleo CBD (cannabidiol) em crianças com epilepsias graves aponta a existência de comprovação na redução de crises, mas salienta que são precisos mais estudos para avaliar dosagens e interacções com a medicação tradicional.

Actualmente já existe um medicamento à base de óleo CBD aprovado nos Estados Unidos da América. A Agência Europeia do Medicamento deverá fazer a sua avaliação em 2019. Recentemente a Organização Mundial de Saúde recomendou que os preparados de CBD puro não fossem catalogados como droga, por não terem propriedades psicoactivas e potencial risco de dependência.

Noutros casos, a comprovação é considerada “fraca”, como no alívio de náuseas ou vómitos provocados por quimioterapia e como estimulante de apetite em doentes com sida. Por um lado, não existem estudos suficientes que comparem os efeitos da cannabis com os efeitos dos novos medicamentos mais eficazes para as náuseas e por outro, o medicamento aprovado em 1999 nos Estados Unidos da América para estimular o apetite em doentes com sida foi “baseado em pequenos ensaios clínicos”.

Quanto ao uso de cannabis para tratar situações de ansiedade, problemas de sono, depressão, doença inflamatória do intestino ou doenças degenerativas a comprovação é “insuficiente”. Embora os doentes tenham reportado melhorias com o uso de cannabis, o relatório salienta que não existe comprovação que tenha resultado de ensaios clínicos ou de ensaios com robustez. O mesmo é referido em relação ao seu uso em cuidados paliativos oncológicos.

À espera da regulamentação

O uso medicinal de cannabis remonta ao século XIX, quando era usada para alívio da dor e de náuseas, mas o uso da planta caiu em desuso quando os medicamentos sintéticos ganharam cada vez mais importância. Nos últimos anos o tema ganhou nova dimensão à medida que vários países no mundo aprovaram legislação que permite o uso medicinal de cannabis. Mas as leis são diversas, tal como os produtos, a sua forma de consumo e os médicos prescritores. Em vários países os médicos mostram resistência na prescrição por falta de comprovação nos resultados e nas doses a recomendar.

Portugal aprovou este ano uma lei que permite o uso de cannabis medicinal. Publicada em Diário da República em Julho, a legislação define que a prescrição é feita em receita especial, que será vendida em farmácias e que o seu uso só poderá ser feito quando os medicamentos tradicionais disponíveis não tiverem resultado.

Aguarda-se a publicação da regulamentação para clarificar em que situações e como poderá ser usada, assim como quem serão os médicos que a poderão receitar. Ao PÚBLICO, o Ministério da Saúde disse que a regulamentação “está em processo legislativo”, mas sem adiantar uma data de conclusão. Em Novembro, a presidente do Infarmed afirmou que a regulamentação estaria terminada até ao final do ano.

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