Pôr os pás

Um amigo inglês que fala bem português queixa-se de que não sabe pôr os pás.

Um amigo inglês que fala bem português queixa-se que não sabe pôr os pás.

Não soube ensiná-lo. Ele bem queria pôr os pás onde em inglês põe os mates, mas é uma receita para a desgraça. É que o mate às vezes é agressivo (e chavalito): “Listen, mate...” não é “Ouve cá, pá...”

Mesmo Chico Buarque no maravilhoso Tanto mar não sabe pôr os pás. Não é: “Foi bonita a festa, pá.” Não é só atirar um pá para o fim duma frase. É antes de fazer uma afirmação que se põe um “oh, pá” ou um “eh, pá”.

“Foi bonita a festa, pá” em português de pá é: “Oh, pá, até gostei da festa.”

Ensinei os oh, pás e eh, pás ao inglês, dizendo-lhe para opar e epar antes de fazer uma afirmação, mas logo percebi que tinha feito asneira, porque ele desatou a epar e a opar por tudo e por nada.

“Oh, pá, este robalo está bom. Eh, pá, passas-me o galheteiro? Oh, pá, traz-me outra imperial, se fizer favor?” Nunca mais se calava.

Para o interromper usei uma bomba dialógica que é só nossa: o “olha uma coisa”. Tem de se repetir “olha uma coisa” pelo menos quatro vezes para justificar a utilização.

O inglês disse que era fenomenológico: “Look, a thing.” Mas “olha uma coisa” não é “look, a thing”. É: “Deixa-me falar, porra!”

Como ele ficou desanimado com a dificuldade de pôr os pás ensinei-lhe a dizer uma coisa que levará toda a gente a pensar que ele é português. É a regra de S. Francisco, em atenção à vergonha que sentiu por ter tido nojo de um leproso: sempre que te queixares diz três vezes: “É uma vergonha, é uma vergonha, é uma vergonha.” Português ficarás. Mas sem pá.

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