As escolhas e os escolhos do futuro

Ficamos com a certeza de que os compromissos assumidos para os próximos anos são superiores às receitas hoje arrecadadas, num ano em que se suporta a maior carga fiscal deste século.

Todos os tempos são extraordinários pela possibilidade que nos dão de escolher o futuro que queremos.

A discussão de cada Orçamento do Estado é um momento em que se concentram centenas de escolhas, decisões e omissões. O Parlamento discute por estes dias onde e como investirá os impostos e as contribuições a arrecadar no próximo ano - far-se-ão portanto escolhas relativamente a 2019 e ao futuro de todos nós. No caso particular do Orçamento do Estado para 2019 vemos uma oportunidade perdida que reflete um conjunto de escolhas que penaliza o futuro – e penalizando o futuro, penalizamos as novas gerações.

Além de sobrecarregar os portugueses com a maior carga fiscal de sempre, pior que no ano do “enorme aumento de impostos” pós bancarrota, não dá um passo por mais tímido que seja, para melhorar a perspetiva de longo prazo de Portugal – para inverter a nossa posição de país com pior situação patrimonial líquida do mundo.

Com a Europa e os nossos principais parceiros económicos em contexto de crescimento, a ambição legítima seria assumir o deficit zero, reduzindo a dívida pública, aspirando a um “crescimento do século” melhor do que um 20.º lugar na cauda da União Europeia. Pelo contrário, o que verificamos é que acresce 1400 milhões de euros à receita fiscal, e portanto aos impostos pagos pelos contribuintes, e de forma absolutamente irresponsável utiliza cerca de 1000 milhões de euros de dividendos do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Depósitos para financiar despesa corrente, situação já aliás criticada pela União Europeia. E ficamos também com a certeza de que os compromissos assumidos para os próximos anos são superiores às receitas hoje arrecadadas, num ano em que se suporta a maior carga fiscal deste século, e onde o investimento nos sectores sociais do Estado baixa a níveis incompreensíveis face à conjuntura.

O objetivo não é senão o da concentração de recursos em regiões já hoje privilegiadas e no crescimento da máquina do Estado. É impressionante como consegue o Governo aumentar tanto a carga fiscal sobre os portugueses e simultaneamente deixar os serviços públicos chegarem a uma situação de desleixo e abandono total. Por outro lado, rapidamente conseguiu o Governo aumentar em 32% o número de pessoas a trabalhar em gabinetes do Governo face à anterior legislatura.

E o que propõe o Governo perante o inverno demográfico? Ou perante as assimetrias regionais? Concentra recursos nas áreas metropolitanas, insiste na discriminação do grosso do território, prejudicando a equidade no acesso de toda a população aos serviços públicos. A título de exemplo, veja-se por exemplo como do Fundo Ambiental, o Governo destina 10 euros por cada habitante da região de Lisboa mas apenas 5,6 cêntimos por cada habitante da região Centro. Este orçamento é um livro aberto, escrito pelo governo, sobre a sua visão sobre desenvolvimento regional integrado e o acesso equitativo dos portugueses a serviços públicos de qualidade. É um livro que nos fala sobre como o governo põe todo o país a subsidiar os passes das áreas metropolitanas, subsidiando a sua exploração em mais de 27 milhões de euros, esquecendo os milhões de portugueses sem acesso a serviços de transporte público decentes.

Desperdiçamos assim uma oportunidade para fazer mais e melhor, reduzindo a dívida, a carga fiscal e aumentando a equidade entre quem tem mais e quem tem menos e entre quem vive em áreas densamente povoadas e quem vive em meio rural. Adicionalmente, percebemos que afinal as cativações não só acabaram, como em 3 anos e sem intervenção externa já ultrapassaram o valor de toda a anterior legislatura.

E se não é prioridade para o governo a redução do peso da dívida sobre as novas gerações seria porventura de esperar que investisse na sua educação, preparando-as para o mundo. Infelizmente também não é isso que os números nos mostram. No Ministério da Educação, a despesa em percentagem do PIB é mais baixa em 2019 do que em 2015, e as despesas de investimento, fundamentais para a qualidade do sistema educativo serão apenas 66% das que tivemos em 2015! Opta-se por, sem olhar à condição económica e à dimensão familiar, distribuição de manuais gratuitos. Quão melhor seriam usados esses recursos se fossem destinados ao apoio de material escolar para crianças e jovens carenciados, para os preparar para um mundo global e digital, renovando o equipamento tecnológico escolar.

E no Ensino Superior? Será que foi aqui que o Governo mostrou a sua preocupação com o progresso da nação? Quando analisamos os números vemos que também não. O investimento previsto para 2019 é 17% inferior ao realizado em 2015 nas áreas da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e o rácio cai 34%! As Universidades e Politécnicos portugueses estarão, no que depende do Governo, em 2019 pior preparados para enfrentar o futuro e as suas congéneres de todo o mundo do que em 2018.

A redução das propinas, correspondendo a uma aspiração de todos com recursos ilimitados, representa, num contexto de recursos escassos, uma escolha socialmente injusta. O Governo propõe-se gastar 3 vezes mais a compensar a redução das propinas, com os que precisam e com os que não precisam, do que o que promete investir em alojamento. E isto quando os estudantes deslocados sem residência, cerca de 120.000 no sistema de Ensino Superior, pagam em média 3 vezes mais pelo alojamento do que pela propina. E isto num orçamento onde o valor proposto para a Ação Social permanece inalterado relativamente ao ano anterior. É um exemplo de prioridades trocadas nas escolhas.

Afinal, reduzimos 20 euros por mês nas propinas de alguns, impedindo o investimento em políticas que promoveriam a justiça e a mobilidade social, num país onde apenas 13% dos estudantes deslocados têm lugar numa residência enquanto frequentam os seus cursos.

Por outro lado, uma análise mais detalhada aos orçamentos das instituições de ensino superior permite-nos perceber a importância de fazer as escolhas certas e das lideranças de coragem. Quando a uma visão, a um caminho, juntamos a dose certa de vontade e resiliência, os resultados são, de forma perfeitamente justa, atingidos. Em Coimbra, no presente ano letivo a Universidade de Coimbra atingiu a meta dos 20% de estudantes de nacionalidade estrangeira. As propinas dos estudantes internacionais somam 6,7 milhões de euros, permitindo amortecer alguns sobressaltos orçamentais. Os números não mentem e a Universidade de Coimbra neste capítulo destaca-se, recolhendo metade do valor de propinas de estudantes internacionais de todo o país. A Universidade soube afirmar o seu valor, estabelecendo um montante da propina de estudante internacional competitivo a nível global, e reconhecido pelos estudantes internacionais que a têm procurado de forma crescente. Este é um bom exemplo de tempos extraordinários, em que as escolhas a pensar no futuro foram importantes.

Mas infelizmente no país, nas escolhas fundamentais para o nosso futuro coletivo, as escolhas dos nossos governantes não perspetivam o futuro e não o antecipam - antes limitam-se apenas a deixar os ponteiros do relógio rodar, o tempo a passar.

Nesta apoplexia, continuaremos à deriva, sem costa à vista e sem um plano para lá chegar. Vamos ficando a boiar, apenas uns escolhos para nos mantermos à tona, à espera de um vento frouxo que nos leve a qualquer praia, onde, inconscientemente felizes, confundiremos a pequenez desta ambição com a grandeza de Fernando Pessoa, “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários