A garrafa de oxigénio está praticamente vazia

Não há uma segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressão. No futebol, isto é tão verdade como na vida fora das quatro linhas, por mais que um ou outro resultados tenham o condão de encurtar o distanciamento crescente entre as partes. Há muito que a relação entre Rui Vitória e uma grande fatia da massa associativa do Benfica se deteriorou ao ponto de se ter esgotado a tolerância. E estes sintomas de inquietude e de dúvida alastraram, entretanto, à direcção do clube, como foi implicitamente reconhecido por Luís Filipe Vieira. Com este estado de espírito, não é possível tomar uma decisão desta magnitude em plena consciência. Qual é a alternativa? Um feeling.

A estabilidade, essa bóia de salvação à qual Luís Filipe Vieira se agarra desde que despediu Fernando Santos para fazer regressar José Antonio Camacho. A estabilidade do projecto, da academia do Seixal, do activo patrimonial, da ideia de uma geração vencedora. A estabilidade que, em última instância, acaba por ser posta em causa sempre que o Benfica sobe ao relvado, porque é utópico pensar que se pode manter a chama viva com base em sucessos passados, por mais frescos que estejam na memória de quem os alcançou.

Será fácil concordar que a decisão de manter Rui Vitória não é uma decisão que proteja o treinador aos olhos da opinião pública. A partir de agora, uma derrota já não será apenas uma derrota. Será mais uma machadada profunda no tronco de uma árvore tombada há muito e que a direcção do clube pretende levantar artificialmente do chão, num equilíbrio precário. No limite, a decisão de manter Rui Vitória, neste contexto, não protege sequer o treinador das críticas internas, pelo simples facto de não ter sido tomada na base da absoluta e inabalável confiança no seu trabalho, nas suas competências, mas num mero pressentimento.

Ao admitir que a dispensa do técnico esteve em cima da mesa até à manhã de ontem, Vieira assume que Rui Vitória já desperdiçou muitos dos créditos que acumulou com os dois campeonatos conquistados. Nessa perspectiva, a opção pela continuidade traduz mais fé do que convicções. A fé de que o Benfica repita o milagre operado na primeira época de Jorge Jesus em Alvalade, de que seja capaz de retomar os índices de competência que foi paulatinamente perdendo ao longo da anterior e da presente temporadas. Uma fé que ignora o contexto e o actual posicionamento dos rivais directos.

É verdade que o Benfica mudou como da água para o vinho desde que Luís Filipe Vieira assumiu a liderança do clube. Mas não é menos verdade que, nos últimos anos, o Sporting foi crescendo e que o FC Porto conseguiu reencontrar o caminho, depois de uma invulgar travessia do deserto. A conjuntura é hoje, por isso, menos propícia a recuperações atípicas, a renascimentos das cinzas, até porque os sinais mais recentes apontam para uma solidez de comportamentos do actual campeão que não se compadece com quebras abruptas e prolongadas de rendimento.

Rui Vitória usa recorrentemente, como imagem metafórica, a expressão “dar oxigénio ao adversário”, sempre que o Benfica não é capaz de manietar o oponente. E esse já não é um defeito de ocasião, mas um traço de carácter de um modelo de jogo que foi perdendo consistência. A circulação lenta da bola sempre feita pela última linha, invariavelmente à procura dos corredores laterais; a incapacidade de construir por dentro; a falta de critério e a sofreguidão com que aborda muitos dos momentos de pressão; a desorganização que se instala sempre que o adversário quebra uma linha — eis alguns dos problemas que não se resolvem num estalar de dedos.

À medida que os desaires se empilham, dispara a desconfiança dos jogadores na ideia de jogo preconizada pelo treinador e, a prazo, nas suas próprias capacidades. É que, ao contrário do que Rui Vitória apregoou durante largos meses (e nem sempre a sua visão foi respaldada pela realidade), o Benfica tornou-se numa equipa assustadoramente previsível, perita em ignorar o que acontece à sua volta. Tal como o padrão de decisões da direcção no plano desportivo.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários