Os custos (invisíveis) da prospeção e exploração do petróleo

Entender e estimar o valor social de uma política pode ser feito através de uma análise custo-benefício.

O consórcio ENI/Galp anunciou há algumas semanas que irá abandonar a prospeção de petróleo no largo de Aljezur. Este comunicado vem no seguimento da suspensão da licença atribuída à ENI/Galp ao largo de Aljezur em agosto. Ainda assim, a discussão mais alargada referente à potencial existência de hidrocarbonetos na costa portuguesa e a interação entre os diferentes atores é um caso interessante. Isto porque no debate público está a faltar uma estimativa dos custos “invisíveis” associados à prospeção e exploração de petróleo.

O Estado Português tem soberania sobre a sua zona marítima, o que lhe permite atribuir títulos de utilização privativa do espaço marítimo (TUPEM). Se o Estado tem este direito de propriedade, então o executivo tem o dever de agir de maneira a maximizar o bem-estar da sociedade portuguesa.

Entender e estimar o valor social de uma política pode ser feito através de uma análise custo-benefício. Por um lado, é crucial considerar os benefícios, tais como os empregos gerados, os lucros destas empresas, o possível efeito multiplicador na economia, e/ou as receitas fiscais públicas geradas por esta operação (entre 3% e 9% das receitas petrolíferas geradas) [2]. Os ministérios do Mar e da Economia consideram que a recente suspensão da TUPEM ao largo de Aljezur “seria gravemente prejudicial para o interesse público” [3]. Os ministérios argumentam que o valor da informação associada às operações de prospeção, os potenciais postos de emprego e receitas fiscais são benefícios que justificam a atribuição da licença ao consórcio ENI/Galp [3]. Não existe qualquer menção a custos sociais, económicos e/ou ambientais para a sociedade que daí possam resultar com impacto negativo na economia local e no bem-estar das populações. Subjacente está o argumento de que os benefícios enumerados associados à prospeção e exploração ao largo de Aljezur superam quaisquer custos. Isto porque estes custos são “invisíveis”, e implicitamente têm um valor zero, daí a tomada de posição dos ministérios do Mar e da Economia em defesa do consórcio ENI/Galp. Todavia, é importante também tomar em consideração os custos sociais associados à exploração petrolífera.

A Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP) enumera alguns dos custos inerentes à exploração petrolífera: “consequências na saúde, degradação da qualidade de vida das populações e na fauna e flora marinhas” [1]. Existem custos no sector do turismo e na actividade piscatória que afetam mais diretamente as populações locais. Porém, existem também valores que não implicam uso direto da Natureza, por exemplo associados à opção de usar o ecossistema no futuro, ou à identidade local e nacional. Em alguns casos, esses custos podem gerar danos irreversíveis na condição dos ecosistemas afectados.

A invisibilidade e falta de informação acerca destes custos não permite entender se estes superam benefícios ou não. Mesmo assim, na presença desta incerteza, os custos sociais não deverão ser ignorados pelo Estado, e deverão também ser incluídos em qualquer análise custo-benefício a realizar para cada uma das concessões atribuídas.

Como dar visibilidade a estes custos? Ofereço aqui dois exemplos: impacto na recreação e eventual perda de bem-estar devido a um derrame de petróleo.

Estimar a perda nas actividades recreativas é relativamente simples. Por um lado, pode-se estimar a diminuição do número de visitas a locais cuja qualidade diminui devido à presença de atividades petrolíferas. Por outro lado, há um efeito de substituição destes destinos por locais de maior qualidade, o que se reflete em maiores despesas de combustível para lá chegar. Em ambos os casos, é necessário recolher informação sobre as escolhas recreativas das populações locais usando questionários.

Estimar o custo de um acidente e subsequente derrame de petróleo é mais difícil. Este deve refletir a perda de bem-estar para a população portuguesa. Por não haver nenhum estudo do género para Portugal, uso aqui as estimativas obtidas na sequência do desastre do Prestige que ocorreu na costa da Galiza em 2001 [5]. Extrapolando a estimativa obtida para o caso de Portugal (46,74€ por família a preços de 2017), tal acidente representaria um custo para a sociedade de 189 milhões de euros [4]. Embora uma catástrofe da dimensão do Prestige possa ser considerada improvável, uso aqui para efeitos de ilustração dos valores que poderiam estar envolvidos. Mesmo um acidente cuja dimensão fosse inferior a 1% da do Prestige teria um custo social estimado de 41,6 milhões de euros (assumindo uma disponibilidade a pagar por família de 10,3€).

Se o Ministério do Mar quiser efectivamente estimar a rentabilidade do investimento em petróleo na costa Portuguesa, então deverá ser feito um esforço para também estimar os diversos custos sociais, económicos e ambientais que poderão representar a aposta no sector petrolífero e incorporá-los na sua análise custo-benefício. Ao compará-los com os benefícios, será que a exploração de hidrocarbonetos ao longo da costa portuguesa ainda é viável para a sociedade portuguesa?

Referências:

[1] https://drive.google.com/drive/folders/0B3Rm4bFRcqgXdUVmRTNpWVoyQWs
[2] Relatorio EMNC: https://drive.google.com/drive/folders/0B3Rm4bFRcqgXdUVmRTNpWVoyQWs
[3] https://drive.google.com/drive/folders/1mQmtG47jmdPnxFFaaSvI2m5SeLGw--nY
[4] Pordata documenta 4.043.726 famílias em Portugal em 2011
[5] Loureiro, M. L., Loomis, J. B., & Vázquez, M. X. (2009). Economic valuation of environmental damages due to the Prestige oil spill in Spain. Environmental and Resource Economics, 44(4), 537-553

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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