Erro de um procurador revela possível acusação contra Assange nos EUA

Críticos da vontade do Departamento de Justiça norte-americano dizem que uma acusação formal seria um golpe para a liberdade de imprensa no país.

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O fundador da Wikileaks vive na embaixada do Equador em Londres há seis anos Reuters/Neil Hall

O Departamento de Justiça norte-americano preparou uma acusação formal contra o fundador do site Wikileaks, Julian Assange, num documento que esteve mantido em segredo até esta semana. A revelação foi feita por engano, por um procurador num caso distinto, e veio reacender o debate sobre a liberdade de imprensa nos Estados Unidos.

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O Departamento de Justiça norte-americano preparou uma acusação formal contra o fundador do site Wikileaks, Julian Assange, num documento que esteve mantido em segredo até esta semana. A revelação foi feita por engano, por um procurador num caso distinto, e veio reacender o debate sobre a liberdade de imprensa nos Estados Unidos.

Não é certo que a acusação esteja a decorrer nos gabinetes do Departamento de Justiça ou se se trata de um documento preparado há algum tempo para ser entregue no futuro.

O que se sabe é que o procurador assistente Kellen S. Dwyer entregou num tribunal um pedido para que sejam mantidas em segredo informações sobre o caso que está a acompanhar, e que nada tem que ver com Julian Assange ou a Wikileaks.

Nesse documento, a dada altura, lê-se que "devido à sofisticação do réu, e da publicidade que rodeia o caso, nenhum outro procedimento poderá garantir a confidencialidade do facto de Assange ter sido acusado".

Mais abaixo, no mesmo documento, lê-se que "a queixa, o depoimento e o mandado de detenção, tal como esta petição e a ordem proposta, teriam de permanecer seladas até que Assange seja detido pelas acusações feitas na queixa-crime e não possa escapar ou evitar a detenção e extradição".

Segundo os jornais norte-americanos, é provável que o aparecimento do nome de Assange neste documento resulte de uma cópia feita, por engano, a partir da verdadeira acusação contra o fundador da Wikileaks, que estaria a ser mantida em segredo.

De acordo com a edição norte-americana do jornal Guardian, os procuradores têm o hábito de copiar partes de argumentos usados noutros casos e de os colar nos documentos em que estão a trabalhar nesse momento – neste caso, terá passado despercebido o facto de a argumentação em causa incluir o nome da pessoa acusada no documento de partida. Segundo o Washington Post, o procurador Kellen S. Dwyer também trabalha no processo da Wikileaks.

O erro foi detectado esta sexta-feira por Seamus Hughes, especialista em contraterrorismo na Universidade George Washington e antigo conselheiro da Comissão de Assuntos Internos do Senado norte-americano.

Em resposta, um porta-voz do gabinete do Departamento de Justiça no estado da Virginia, Joshua Stueve, disse apenas que se tratou de um erro: "O nome em questão não é o nome que deveria aparecer no documento."

Na resposta enviada por email a vários jornais norte-americanos, o mesmo responsável não adiantou se o nome de Assange surge em qualquer outro documento de uma acusação formal feita pelo Departamento de Justiça.

"Notícia perturbadora"

Um dos advogados de Julian Assange, Barry Pollack, disse que "a notícia de que foram apresentadas acusações criminais contra o sr. Assange são ainda mais perturbadoras do que a forma acidental como a informação foi revelada".

"O facto de o Governo apresentar acusações criminais contra alguém por publicar informação verdadeira é um caminho perigoso para a democracia", disse o advogado.

Há anos que o Departamento de Justiça norte-americano discute se deve acusar formalmente Julian Assange pela publicação de centenas milhares de documentos secretos, desde informações sobre a guerra do Iraque aos emails trocados por responsáveis da campanha eleitoral de Hillary Clinton nas eleições de 2016.

Tanto num caso como no outro, a Wikileaks serviu de plataforma de publicação de documentos obtidos por terceiros.

Em 2013, a norte-americana Chelsea Manning foi acusada num tribunal militar por violação da Lei de Espionagem, por ter roubado informações secretas entre 2009 e 2010, no Iraque, e ficou presa até 2017. E em Julho passado, o procurador especial Robert Mueller acusou 12 espiões militares russos de terem roubado milhares de emails dos servidores do Partido Democrata e da campanha de Hillary Clinton.

A Wikileaks publicou os documentos nas duas ocasiões. Durante a campanha eleitoral nos EUA, a publicação dos emails da campanha de Hillary Clinton foi vista como um dos factores que contribuíram para um ainda maior desgaste da imagem do Partido Democrata e da sua candidata oficial na corrida contra o Partido Republicano e Donald Trump.

Liberdade de imprensa

Durante a Administração Obama, o Departamento de Justiça norte-americano chegou à conclusão de que a Wikileaks deve ser considerada uma organização de media, equiparada a um qualquer jornal tradicional. Mas os actuais responsáveis pela Justiça, nomeados pelo Presidente Donald Trump, têm um entendimento diferente – na quinta-feira, o Wall Street Journal noticiou que o Departamento de Justiça está mesmo a preparar uma acusação formal contra Julian Assange.

O que está em causa é um debate sobre a legitimidade da Wikileaks para publicar aqueles documentos secretos: se jornais como o New York Times ou o Washington Post podem fazê-lo ao abrigo da liberdade de imprensa, desde que se confirme a sua veracidade, por que razão terá a Wikileaks de ser tratada de forma diferente? A eventual acusação de Assange neste caso pode abrir as portas a outras acusações contra jornais, rádios e televisões, limitando o seu direito e a sua obrigação de informar.

Assange está refugiado na embaixada do Equador em Londres desde 2012, para escapar a uma acusação na Suécia por assédio sexual, que viria a ser arquivada em 2017. O fundador da Wikileaks permanece na embaixada por recear ser detido pelas autoridades britânicas e extraditado para os Estados Unidos.