“Se começarmos a respeitar as culturas com maior equidade, talvez se encontrem soluções”

No ISCTE, o angolano Filipe Zau defendeu o ensino das línguas nacionais e criticou o acordo ortográfico, num congresso que termina esta sexta-feira.

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Filipe Zau: “Sociedades são mais plurilingues, a diversidade está aí” DR

Os temas da cooperação e do bilinguismo ocuparam a primeira manhã do IV Congresso de Cooperação e Educação, que termina esta sexta-feira à tarde no ISCTE, em Lisboa. À sessão de abertura, seguiu-se uma mesa-redonda onde a cooperação na educação foi o tema dominante. Moderada pela investigadora Antónia Barreto, uma das organizadoras, nela expuseram os respectivos projectos e programas Gonçalo Teles Gomes (Instituto Camões), Maria Hermínia Cabral (Fundação Gulbenkian) e Ana Paula Laborinho (OEI, Organização dos Estados Ibero-Americanos em Portugal), evidenciando o que, planeado ou em curso, pode contribuir para uma melhoria da situação no terreno nos diversos países africanos e também em Timor-Leste, a despeito de “os recursos serem cada vez mais escassos”. Ficou no ar um rol de medidas (apoios à formação e a projectos específicos, bolsas, concursos, parcerias, educação em situações de emergência), faltando agora aferir os seus resultados.

Uma rigorosidade ética

A intervenção de fundo, porém, estava reservada para Filipe Zau, reitor da Universidade Independente de Angola. Tema? O bilinguismo. Abordando a “questão identitária, a questão educativa e a questão linguística na educação” lembrou que desde a fundação da CPLP, em 1996 (ele pertenceu ao secretariado) já os estatutos “abordavam a questão da cooperação linguística entre a língua portuguesa e outras línguas nacionais dos países africanos.”

E se, quer em África quer no Brasil, o português foi imposto à força por decisão do Marquês de Pombal, proibindo-se as línguas nacionais nas então colónias africanas, hoje elas estarão a retomar o seu papel. “As sociedades são cada vez mais multiculturais, mais plurilingues, e a diversidade está aí, não só para inglês ver”, disse Filipe Zau, citando Émile Durkheim para sublinhar que “há uma falsa ideia de educação universal”, mas há, isso sim, “uma rigorosidade ética de que professores e alunos não se devem abster.”

Que línguas ensinar?

Na linha do artigo que assinou no passado dia 1 no Jornal de Angola, intitulado “Línguas africanas no ensino e seu estatuto político”, Zau disse, citando Joseph Poth (especialista em didáctica de línguas junto do Instituto Nacional de Educação da República Centro Africana) que “as principais razões para a introdução das línguas africanas no ensino” decorrem, entre outras coisas, “do elevado índice de reprovações que se verificam na escola primária, por falta da necessária competência linguística nas línguas de escolarização de origem europeia.”

Por isso defende que “o paradigma da aprendizagem em línguas africanas não levanta problemas relacionados com o discurso pedagógico. Falha, no entanto, ou apresenta sérias dificuldades na sua operacionalização, se a educação não for reconhecida como sector de eleição. E também falha se houver falta de materiais didácticos adequados, falta de formação pedagógica apropriada e principalmente falta de vontade política, falta de apoio das populações e das diferentes elites existentes no país.”

Que línguas ensinar? As que forem inscritas na Constituição de cada país: “Não estarão todas, mas nenhuma deixará de ter estatuto. Umas serão nacionais, outras regionais, locais ou até transnacionais [faladas em mais de um país, como línguas de fronteira].” A Nigéria, disse, tem 400 línguas e escolheu 3 para línguas nacionais. E quem se deslocar? “Uma criança que está no Norte e depois vai para o Sul? Fala a língua do contexto onde está.”

AO trouxe mais problemas

Criticou, ainda, o acordo ortográfico. “Há coisas que ferem questões patrimoniais. Não há acordo possível se não houver negociação. A língua portuguesa não é só dos portugueses, nem só dos brasileiros, é também dos africanos. Se pensarmos isso, começamos a ter uma relação de equidade entre as culturas. Porque a nossa relação é de plano inclinado, de cima para baixo: podem ou não podem, é ou não é. E não é isso que ajuda, nem a alfabetização nem a difusão da língua portuguesa. E muito menos aquilo que é impossível fazer neste acordo: unir através da fonologia, uma vez que falamos todos [de formas] diferentes. Não uniu com o Brasil, desuniu, e parece que trouxemos mais problemas do que afinal tínhamos antes. Esta questão do bilinguismo também entra por esta porta: se começarmos a reconhecer estas diferenças e a respeitar as culturas com maior equidade, talvez se encontrem futuramente soluções, quer para a educação quer para muitos dos problemas que temos.”

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