Eles querem proteger a vaca-loura, mas precisam da tua ajuda

O VACALOURA.pt, projecto de ciência cidadã 100% voluntário, lançou uma campanha de crowdfunding. Pedem 7500 euros para continuarem a conservar e a estudar este escaravelho.

João Gonçalo Soutinho começou a semana a distribuir madeira morta pela mata de Vilar, em Lousada. Ou, como o coordenador do projecto VACALOURA.pt gosta de dizer: “Estivemos, basicamente, a criar abrigos para escaravelhos.”

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João é biólogo e tem 23 anos DR

O biólogo, de 23 anos, anda a fazer o levantamento das árvores de grandes dimensões com raízes naquele concelho do distrito do Porto. Não lhe interessa apenas inventariar os milhares de Gigantes Verdes, como chamou ao projecto premiado e apoiado pela autarquia que está a desenvolver no âmbito do mestrado em Ecologia e Gestão Ambiental, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Quer também saber se aquelas árvores gigantes podem servir de habitat natural para uma outra espécie bem mais pequena, mas que lhe ocupa grande parte da agenda: a vaca-loura (Lucanus cervus).

Em 2016, o jovem biólogo — com um gosto particular por escaravelhos — começava a reunir a equipa de voluntários que, até hoje, “compila e organiza a informação” enviada por pessoas que avistaram o lucanídeo em território português. Arrancava assim o projecto de ciência cidadã, coordenado pela BioLiving, associação da qual o biólogo faz parte.

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Gif retirado do vídeo Dar o Próximo Passo do projecto vacaloura.pt

Dois anos depois, querem “dar o próximo passo”. “Chegamos a um ponto em que achamos que o que conseguimos fazer de forma voluntária já estamos fazer. E queremos continuar a crescer de forma mais sustentável.” Para já, isto significa angariarem 7500 euros através de uma campanha de crowdfunding promovida no portal de financiamento colaborativo PPL.

As doações colectadas vão ser empregues em “estudos genéticos das populações nacionais da vaca-loura” pioneiros em Portugal; na “avaliação da resposta da espécie aos futuros cenários de alterações globais”; no melhoramento das “plataformas de registos de avistamentos” e no desenvolvimento de “material didáctico e científico relativo à vaca-loura”. Uma parte significativa do valor vai ainda ser usada para “ressarcir todos os custos relacionados com a campanha”. Se, até 20 de Dezembro, alcançarem o financiamento pretendido — a PPL devolve todas as doações aos apoiantes caso o objectivo não seja atingido — o projecto pode respirar por “pelo menos mais dois anos”.

Com a ajuda dos registos de “centenas de cidadãos”, o projecto de ciência cidadã 100% voluntário já conseguiu “compilar informação que permitiu duplicar a área de distribuição conhecida da espécie em Portugal”. Em três anos, já foram avistadas “cerca de 1600” vacas-louras. “Todos os registos que temos são pessoas que vêem uma vaca-loura no seu dia-a-dia, tiram uma fotografia e enviam-na”, conta o biólogo. Para tal, basta preencher o formulário disponibilizado no site oficial do projecto.

A espécie que ajudam a conservar está “quase ameaçada” em vários países europeus. Em Portugal, o estado de conservação do lucanídeo, que é “um símbolo das florestas nativas nacionais”, ainda é “definido como desconhecido” — classificação que gostavam também de clarificar.

Ninguém dá valor à vaca-loura

Além da associação BioLiving — que ainda este mês pôs estudantes e voluntários a apanharem três mil beatas no campus da U. Aveiro — o VACALOURA.pt tem como parceiros a Unidade de Vida Selvagem do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro, a Sociedade Portuguesa de Entomologia (SPEN) e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). João fundou o projecto depois de ter participado num congresso europeu sobre escaravelhos que decompõem madeira morta (grupo no qual a vaca-loura se enquadra), que em 2016 decorreu na Bélgica. Este ano, quando voltou ao encontro, desta vez na Alemanha, o biólogo já apresentou alguns resultados da iniciativa nacional. 

Quando entrou para a licenciatura na Universidade do Porto, o jovem até pensava que se iria focar na biologia marinha — até que mergulhou no mundo dos invertebrados. À procura de projectos dentro da área encontrou um na mata do Bussaco, sob a orientação de Milene Matos, a presidente da BioLiving. Mais recentemente fez um estágio em pleno parque nacional alemão, um "dos parques pioneiros que fazem gestão florestal a pensar mesmo na biodiversidade". Por lá, estudou formas de manter a floresta "o mais natural e o mais segura possível, ao mesmo tempo". 

"Comecei a gostar de insectos", ri-se. "Nos escaravelhos fui-me focando mais nos que estão ligados à madeira morta — e a vaca-loura acaba por ser o símbolo deste grupo, um grupo bastante grande que representa cerca de 30% do que existe em todas as florestas."

Apesar disso, ninguém "lhes dá muito valor". A vaca-loura, por ser facilmente identificável, "acaba por ser um símbolo que podemos usar para chamar a atenção das pessoas". Este escaravelho, descansa, "é completamente inofensivo". "A não ser que lhe metas o dedo no meio dos 'cornos'. Aí elas mordem." Calma: é uma dor completamente mecânica. "Como se fosse um alicate", ri-se.

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