Anúncio de António Costa sobre novo CEME foi prova de força do Governo

O executivo e a Presidência coordenaram posições num caso em que a carta aos subordinados do general Rovisco Duarte irritou Belém. A nomeação do novo responsável do Exército é interpretada como um virar de página.

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José Nunes da Fonseca foi promovido a general e empossado chefe do Estado-Maior do Exército Miguel Manso
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Rovisco Duarte na tomada de posse do sucessor, como CEME LUSA/MIGUEL A. LOPES

O anúncio, esta sexta-feira em Bruxelas, pelo primeiro-ministro, António Costa, do novo chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), tenente-general José Nunes da Fonseca, foi uma prova de força do Governo para sublinhar que a tutela das Forças Armadas está sob a sua alçada. Este movimento foi considerado necessário após a relativização do poder governamental que transpira na carta de despedida aos seus subordinados do anterior responsável do Exército. Uma missiva que, pela duplicidade de argumentos invocados pelo general Rovisco Duarte para a resignação face aos da carta enviada ao Presidente da República, irritou Belém.

“O Conselho Superior do Exército acabou de dar por unanimidade parecer favorável ao nome que tinha sido indigitado pelo Governo”, revelou Costa que participava na 12.ª Cimeira Europa-Ásia. O primeiro-ministro explicou que decorreria um Conselho de Ministros Electrónico para propor ao Presidente da República a nomeação do novo CEME e a sua promoção a general.

Minutos depois deste anúncio do chefe do Governo, na página oficial da Presidência uma nota noticiava que “o primeiro-ministro informou o Presidente da República da nomeação do Senhor General José Nunes da Fonseca como chefe do Estado-Maior do Exército, a qual aceitou". A posse decorreu às 19h, no Palácio de Belém. A coordenação entre São Bento e Belém foi evidente, não apenas neste dia, mas desde quarta-feira, quando Rovisco Duarte apresentou a sua resignação a Marcelo Rebelo de Sousa.

Então, no site oficial, Belém noticiou que a carta foi transmitida ao Governo, a quem compete constitucionalmente e segundo a Lei Orgânica das Forças Armadas propor ao Presidente da República a exoneração das chefias militares. Um dia depois, quinta-feira, era referido no site que, “na sequência da proposta do Governo de hoje, [do Conselho de Ministros], o Presidente da República exonerou” o anterior CEME.  

O facto do Presidente ser o Comandante Supremo das Forças Armadas mas o poder executivo, e de tutela, ser do Governo, pode criar um espaço de sombra, que a coordenação entre Belém e São Bento evitou. Embora se argumente que apresentar a demissão ou resignação ao Presidente da República corresponde a uma cultura das Forças Armadas, oficiais generais na reforma ouvidos pelo PÚBLICO que solicitaram o anonimato admitem a existência de uma margem de acção política.

Esta preocupação, no presente caso, tornou-se mais aguda. Na carta ao Presidente eram invocadas por Rovisco Duarte questões pessoais para a resignação. No entanto, no mesmo dia, na despedida aos seus subordinados, o militar escrevia que “circunstâncias políticas assim o exigiram”. Belém ficou surpreendido com esta duplicidade argumental e, na noite de quinta-feira, expressou esse desagrado publicando a carta de resignação do general em que só estão invocados motivos pessoais. O intuito foi desfazer uma polémica.

“Espero que desempenhe lealmente as suas funções, que é aquilo que todos contam que cada servidor público possa fazer”, foram os votos de António Costa ao novo CEME. Palavras que recordam a subordinação do poder militar ao civil democrático, e que soam reforçadas pelo encadeamento de posições concertadas, desde quarta-feira, entre Presidência e Governo.

No executivo, depois do anterior ministro da Defesa se ter demitido por falta de condições políticas na sequência do caso do roubo de material de guerra em Tancos, foram registadas com desagrado reacções de meios militares que manifestavam surpresa pela exoneração do ex-CEME. Mas a nomeação de José Nunes da Fonseca foi saudada ontem pela Associação de Oficiais das Forças Armadas, por se tratar de "um militar consensual".

A indicação deste oficial-general, entre sete apontados candidatos, tem outra interpretação. Nunes da Fonseca estava destacado na GNR, de algum modo vem de fora do Exército a que pertence, o que significa o virar de página que uma opção orgânica, como a do vice-CEME Campos Serafino, representaria.

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