Girls just wanna have power: duas novas ministras é bom, mas não chega

Em Portugal as mulheres até podem entrar no governo, desde que devidamente enquadradas por testosterona ministerial.

O XXI Governo Constitucional começou com apenas quatro ministras, de um total de 17. Há cerca um ano, esse número baixou para três, com a saída de Constança Urbano de Sousa e a entrada de Pedro Siza Vieira. A recente remodelação levou à saída de quatro ministros e à entrada de duas ministras e um ministro. A percentagem de mulheres aumentou, felizmente, mas ainda não foi desta que atingimos a média de 30% da União Europeia!

Segundo o Instituto Europeu para a Igualdade de Género, Espanha e Suécia são os únicos países com mais ministras do que ministros. Há outros países, como França, Dinamarca, Alemanha, Eslovénia e Islândia, onde as mulheres representam mais de 40% do Conselho de Ministros. Na União Europeia, a campeã da desigualdade de género é a Hungria, com apenas 7% de mulheres em posições ministeriais. Quando incluímos posições executivas menos relevantes, o equivalente das secretarias de Estado, a representação feminina aumenta na maior parte dos países, chegando a cerca de 30% em Portugal. Portanto, as mulheres até podem entrar no governo, desde que devidamente enquadradas por testosterona ministerial. A mesma testosterona deve explicar esta afirmação da OCDE, de 2016: “As mulheres são raramente nomeadas para ministérios com maior poder de decisão (Finanças, Defesa, etc.) que estão associados a noções de masculinidade.”

A falta de poder feminino não se limita aos cargos políticos. Em Março de 2016, a OCDE organizou em Paris a conferência Melhorar o Acesso das Mulheres à Liderança, cujo relatório se divide em duas partes, dedicadas às lideranças pública e corporate. As empresas do PSI 20 tinham apenas 11% de mulheres na administração, em 2015, enquanto as empresas cotadas da Noruega, França e Finlândia tinham 36%, 33% e 30% de mulheres nos respetivos boards. Destes três países, apenas a Finlândia não tem uma política de quotas, introduzidas na Noruega em 2003 e em França em 2011. Em Portugal, a lei que impõe uma quota de um quinto de mulheres na administração das empresas cotadas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2018, mas até agora não surtiu efeitos: a 30 de Julho, o Expresso noticiava que apenas 57 do total de 399 administradores eram mulheres.

Há uma razão de princípio para nos preocuparmos com a falta de mulheres em cargos de poder: se estas representam 53% da população portuguesa em 2017, é improvável que seja apenas por falta de interesse ou vontade que não cheguem a 20% nos cargos de poder. Mas há outras razões, igualmente importantes. Na Índia, a política de quotas imposta em 1993 para os governos locais não os afetou a todos igualmente. Uma comparação entre os executivos locais com quotas de género e os restantes permite concluir que os primeiros implementaram mais projetos de infra-estruturas básicas, como o fornecimento de água potável. Podemos argumentar que esta realidade é específica de um país em vias de desenvolvimento, mas não podemos descartar que mais mulheres no poder levassem, por exemplo, a políticas que melhorassem o equilíbrio entre a vida familiar e o trabalho. A mesma política de quotas levou, poucos anos mais tarde, a que mais mulheres tivessem participação cívica e política e a uma mudança nas atitudes dos eleitores em geral relativamente à eficácia das mulheres enquanto decisoras políticas — ou seja: as quotas combatem os estereótipos negativos de género.

Pela mesma razão, termos pela primeira vez uma homossexual assumida, Graça Fonseca, como ministra é certamente uma ótima notícia para a democracia. Mas há mais. Investigação recente sobre as quotas de género nos governos locais em Itália e na Suécia mostra que estas aumentaram o nível de educação dos eleitos locais. Não só as mulheres que entram na política têm níveis de educação elevados, como dão origem à saída dos homens com menor qualificação. Isto sugere que os políticos do sexo masculino recrutam homens medíocres para manter fechado o circuito do poder, em detrimento de mulheres mais qualificadas e que a via legislativa atenua este mecanismo perverso.

Melhorar a representação das mulheres não é o único desafio. Por falta de dados oficiais, não sabemos sequer que percentagem de jovens de etnias minoritárias chegam ao ensino superior em Portugal. Conhecer a sua representação em lugares de poder é uma miragem longínqua. E, no entanto, como no caso das mulheres, uma luta tão necessária à qualidade da democracia.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 3 comentários