Era uma vez, era muitas vezes

A mediação em saúde há de ser uma via a explorar pois é sabido que a maioria dos desencontros precisa mais de um reconhecimento do que de uma indemnização.

Cena 1: António acha que o seu médico não é suficientemente competente e entra numa espiral de contestação aos tratamentos que ele lhe prescreve, levando a um relacionamento difícil de parte a parte. A situação agrava-se ao ponto de António decidir apresentar queixa junto da Ordem dos Médicos e da Entidade Reguladora da Saúde. Apoquentado pela demora em obter respostas, revela aos amigos que está a pensar pedir para ser ouvido num programa da TV que dê eco às suas razões. O Dr. Antunes já não o pode ouvir – cada vez que o António lhe aparece fica maldisposto e já deu consigo a gritar com o doente por ele não seguir os seus conselhos. Na verdade, já não lhe explica as razões por que acha conveniente fazer certos exames nem lhe parece que valha a pena informá-lo das várias opções (vantagens e inconvenientes, riscos e benefícios) do tratamento.

Cena 2: Belarmina está muito doente e a equipa médica revela-lhe que a gravidade da doença é enorme. Chorosa, chama os filhos como que para se despedir, afirmando que está saturada de tantos exames e soros e injeções e dores… A filha mais velha fica encarregada de procurar o médico responsável pelo internamento num hospital privado e pede que a passem para cuidados paliativos, desistindo de a ‘martirizar’. A Dr.ª Bárbara diz que ainda acredita numa recuperação e que a doente precisa de mais exames e de tentar novos tratamentos. A família está tão preocupada com o sofrimento da senhora como com a dificuldade em pagar a conta final. Instala-se a dúvida sobre se a obstinação médica tem fundamento ou é interesseira. A médica ofende-se com a insinuação e, apesar de estar sinceramente convencida de que há uma probabilidade de cura com poucas sequelas, deixa de falar à doente e aos filhos e apresenta-lhes um termo de responsabilidade para alta a pedido.

Cena 3: O enfermeiro Cruz insiste em dizer que não lhe cabe, em nenhuma circunstância, pedir aos doentes que vão ser operados que assinem o documento de consentimento informado. O cirurgião Dr. Correia entende que pode delegar essa função e isso é mesmo uma prova de confiança no pessoal de enfermagem. O confronto entre ambos arrasta-se há meses, com séria repercussão na harmonia da equipa.

Poderia continuar a inventar histórias que, se não aconteceram, podiam ter acontecido.

Os conflitos entre profissionais e entre estes e os doentes fazem parte do dia-a-dia dos serviços de saúde. Alguns acabam em processos disciplinares inúteis ou em processos judiciais morosos e dispendiosos. Grande parte terminaria facilmente com uma mera explicação. A mediação de conflitos, aceite pelas partes, é a melhor via para se chegar a um acordo que desfaça o conflito ou mesmo que o previna. O mediador não tem por função defender qualquer uma das partes em confronto (não é advogado), não lhe cabe julgar as respetivas posições (não é juiz) e não deve agir como se estivesse a curar as partes de uma qualquer patologia (não é terapeuta). Sendo neutro por natureza e imparcial por vontade, o mediador de conflitos é um fator de grande importância na busca de soluções expeditas sem recurso a longos e penosos processos.

Há já experiências positivas, entre nós, de mediadores que se dedicam a conflitos familiares, assim como a conflitos de vizinhança. Há mediações no âmbito da justiça que perseguem acordos com força executória legal e mediações no âmbito escolar que mostram ser eficazes.

A mediação em saúde, como a que proponho em www.mes.pt, há de ser uma via a explorar pois é sabido que a maioria dos desencontros precisa mais de um reconhecimento do que de uma indemnização, mais de uma compreensão do que de uma penalização. António e Antunes, Belarmina e Bárbara, Cruz e Correia, como tantos outros, se alguém lhes propusesse que se sentassem à mesa comigo, talvez ficassem, mais cedo do que tarde, em paz.

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