O verdadeiro sossego
Recomendo passar uma noite ou duas muito perto de onde se mora. É um lugar desconhecido de tão íntimo, como vermo-nos por um telescópio.
Bastam uma mesa, uma cadeira de plástico. Cá fora. Tem de ser cá fora. Tem de haver silêncio. Não o silêncio técnico, que faz medo, mas o silêncio relativo que nada exige.
Pouco barulho, muito ao longe. O ruído, a uma grande distância, até consola. Custa saber o que é que está a fazer barulho a tantos quilómetros. E por isso não se faz esse esforço. É tão bom desistir! É tão bom não querer saber! É tão bom poder tomar essas decisões sem ninguém sofrer!
O verdadeiro sossego até dá vontade de trabalhar. É o que estou a fazer, a escrever estas linhas que prometem continuar.
Recomendo passar uma noite ou duas muito perto de onde se mora. É um lugar desconhecido de tão íntimo, como vermo-nos por um telescópio.
Sabe bem a instalação num lugar diferente mas próximo. Compro os jornais todos, portugueses, ingleses, franceses, italianos. Faço o meu primeiro gin tónico com gelo de uma estação de gasolina, num copo que trouxe de propósito.
Instalo-me com um rajá — sem poupar um único luxo — numa casa a dois quilómetros da minha. Sou um refugiado do barulho das festas da minha aldeia. Acho lindo o silêncio, acho um bálsamo a pasmaceira.
Afinal é possível passar férias num só dia. É uma questão de geografia e de antropologia. A rima é aleatória, mas é bem-vinda.
Desce o dia sobre estas palavras escritas ao vagar do sossego que consegui encontrar. Deus queira que se confundam. Deus queira que provoquem alguém a largar o já sabido para abraçar o que ainda não sabe.
O sossego é uma recompensa. Mas é preciso trabalhar primeiro.