Quo vadis, ensino superior?

As assimetrias não se combatem penalizando quem tem dado provas de excelência no ensino superior.

O ensino superior tem merecido particular enfoque nos últimos tempos pelos motivos mais diversos: concurso nacional acesso, praxes (há quem defenda que devem ser tratadas como um problema de saúde pública!), corte de vagas no litoral em favor do interior, modelo de acesso, insuficiência financeira, escassez de alojamento, entre outros.

Num exercício reflexivo sobre estas questões de interesse público, no ano passado, num artigo intitulado “Porque se calam?”, publicado neste jornal (online) a 12 de fevereiro, comecei por colocar o dedo na ferida de um problema laboral que se começava a discutir timidamente, tendo exposto: “[...] vozes de personalidades com grande responsabilidade falavam em 'completa degradação', referindo-se ao ensino universitário, acrescentando existirem professores que 'recebem como salário cinco euros por hora' [...] esta notícia deixou-me preocupado e estupefacto pois, a ser verdade (não li ou escutei qualquer desmentido por parte dos responsáveis), deve ser denunciado, já que se refere a '80% de professores' (cerca de 8.783). Se se fala, e bem, em precariedade na Educação, qual a palavra a aplicar para caracterizar esta situação?"

Novo ano académico se iniciou e a perplexidade subsiste, vindo vozes ao terreiro afiançar não se vislumbrar solução para esta matéria.

Outro assunto a abordar prende-se com a inclusão, que nos dias que correm é um dos temas mais em voga no léxico escolar, também nas faculdades e escolas superiores de educação. Mas que dizer dos dados do relatório referente aos “Principais resultados do Inquérito às NEE no Ensino Superior – 2017/2018”, publicado pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência? É reportado o abandono de 231 estudantes portadores de deficiência. Pode a inclusão ser assunto exclusivo do ensino não superior? Que reflexão mereceu o número acima apontado? Que medidas foram acionadas para ultrapassar o problema?

O modelo vigente de acesso ao ensino superior é cómodo para estas instituições, pois apropriam-se dos resultados do ensino secundário, refém das classificações dos exames nacionais, que motivam três anos intensivos e excessivos de preparação, desvalorizando um ciclo de estudos hipotecado aos interesses (ilegítimos) do ciclo subsequente. Em diversos países da Europa, as instituições do ensino superior ou não fazem uso do diploma do ensino secundário ou utilizam, em conjunto, outros critérios, como sejam a realização de entrevista ou a aplicação de testes de admissão, a título de exemplo.

O debate tem tanto de tardio como de pertinente, e urge promovê-lo a fim de perceber qual o melhor caminho a trilhar: o mesmo de sempre, o da continuidade, ou um mais justo e equitativo, o da mudança. Salvo melhor opinião, parece-me que a alteração do modelo de acesso ao ensino superior terá de sofrer, pelo menos, ajustes substanciais (alguns falam em rutura) com acréscimo de critérios. E importa, concretamente, saber o que pensam os responsáveis máximos das universidades.

No que concerne à determinação governamental em aumentar as vagas no ensino superior do interior do país, considero que, embora avulsa, serve essencialmente para impulsionar o desenvolvimento dessas regiões mais envelhecidas.

Portugal apresenta-se como um país bicéfalo em termos de atratividade no que concerne às candidaturas aos cursos do ensino superior, fazendo com que Porto e Lisboa sejam os locais mais apetecíveis que, por si só, captam a maioria dos candidatos. Já o interior não só sente dificuldades em atrair os seus estudantes, como não possui argumentos fortes o suficiente para fixar os que acolhe.

Com esta medida, prevejo um risco acrescido, não augurando qualquer discriminação positiva: com a diminuição de vagas da UP e da UL poderão ser as Instituições de Ensino Superior (IES) privadas destas principais cidades a sair a ganhar, em detrimento das do interior, com prejuízo para os estudantes com menos recursos económicos e com menor média de entrada, uma vez que, residindo próximo das cidades do Porto ou Lisboa, ingressarão, com maior probabilidade, em IES que ficarão ao mesmo preço de uma deslocalização. Acresce que as oportunidades posteriores de emprego são superiores nestas duas cidades.

As assimetrias não se combatem penalizando quem tem dado provas de excelência no ensino superior, antes, porém, criando as condições necessárias para que o interior seja uma escolha de futuro. Parecendo tratar-se de um feudo (quase) inacessível ao comum dos mortais, urge perguntar: para onde caminha o ensino superior?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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