Bolonha, mestrados, e empréstimos a estudantes do ensino superior

Será o mestrado assim tão importante? De acordo com o estudo Benefícios do Ensino Superior, a resposta é um inequívoco “sim”.

O PÚBLICO do passado domingo dava conta de que o Governo não tinha ainda conseguido negociar com a banca a reintrodução dos empréstimos a estudantes, depois de ter anunciado o seu regresso no início de 2018 e de ter já anunciado e depois falhado o objetivo no ano anterior.

Desde a reforma de Bolonha em 2009 que, em Portugal, as propinas do ensino superior obedecem a um duplo critério. Por um lado, as licenciaturas – os três primeiros anos da faculdade – têm uma propina máxima, fixada por lei, de pouco mais de 1000 euros anuais. Os mestrados, quando necessários para aceder a uma determinada profissão, têm também esta propina máxima. Este valor corresponde a cerca de 6% do PIB per capita, o que coloca Portugal a meio da tabela europeia, entre as propinas anuais de 35% do PIB per capita em Inglaterra, e os menos de 1% da República Checa, França, Luxemburgo e Eslováquia.

No caso dos restantes mestrados e dos doutoramentos, cada instituição é livre de fixar as propinas, sem qualquer constrangimento legal, o que permite aumentar o financiamento das universidades sem custos para o Orçamento do Estado. Nos relatórios recentemente publicados que analisam o custo do ensino superior, Education at a Glance da OCDE e The European Higher Education Area – Bologna Process Implementation Report, da Comissão Europeia, não é referida a propina média de mestrado em Portugal, contrariamente à de outros países. Nem todos os países da União optaram por liberalizar a propina de mestrado. Na Holanda, Alemanha e Bélgica, por exemplo, as propinas de licenciatura e mestrado são iguais. Outros países, como a França ou a Irlanda, fixam uma propina máxima para mestrados, embora diferente da de licenciatura.

A informação internacional disponível, centrada nas universidades norte-americanas e inglesas, conclui que as propinas desencorajam a frequência do ensino superior por parte de estudantes oriundos de meios desfavorecidos, sendo este efeito possível de mitigar através de um aumento equivalente nas bolsas. Cada 1000 dólares ou libras adicionais levam a uma diminuição da percentagem de jovens que se inscrevem no ensino superior de cerca de 3 pontos percentuais. É difícil perceber o que estes números implicam no caso de Portugal, porque a percentagem de jovens inscritos em mestrados é inferior à das licenciaturas, independentemente do preço, e as propinas no Reino Unido e EUA são superiores às portuguesas, cujo valor médio, de resto, desconhecemos.

A bolsa de estudo máxima em Portugal é de cerca de 4700 euros anuais, acrescida do valor da propina efetivamente paga, até ao máximo dos cerca de mil euros da propina de licenciatura. Os estudantes de mestrado, pagando muitas vezes propinas superiores, não têm um ajuste na bolsa que compense o custo adicional, o que seria politicamente inviável, dado que o Governo não tem controlo sobre estas propinas. Apenas um mecanismo cuidadoso de empréstimos poderá suavizar o efeito negativo no acesso ao grau de mestre.

Mas será o mestrado assim tão importante? De acordo com o estudo Benefícios do Ensino Superior, publicado há cerca de um ano pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, da autoria dos economistas Hugo Figueiredo, Miguel Portela, Carla Sá, João Cerejeira, André Almeida e Diogo Lourenço, a resposta é um inequívoco “sim”. O chamado “prémio salarial”, isto é, a diferença entre o salário horário bruto de um diplomado do ensino superior e do ensino secundário com o mesmo número de anos de experiência de trabalho era, em 2015, de 85% para mestres, e 120% para doutorados. Acontece que a reforma de Bolonha levou a uma diminuição do prémio salarial dos licenciados de 85% em 2006, para cerca de 50% em 2015.

Assim, há um diploma – a licenciatura – cujo preço é controlado pelo Governo mas que vale, em termos salariais, pouco mais do que o 12.º ano. E outro – o mestrado – que permite uma verdadeira diferenciação salarial, mas que tem as propinas liberalizadas, sem bolsas que as compensem e sem um regime de empréstimos que garanta que os jovens não são excluídos deste mecanismo de promoção social pelo preço. Posso estar enganada, mas isto parece-se demasiado com uma privatização do ensino superior.

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