A razão dos professores

É evidente que o tempo ideal para negociar alterações teria sido o tempo do congelamento, para que, aquando do descongelamento, o problema estivesse, pelo menos, minimizado.

Esta semana é marcada pela luta dos professores expressa em greves diárias regionais e numa manifestação nacional.

Muitas pessoas se têm perguntado se, afinal, é o Governo ou são os professores que têm razão. E, como se tem visto, há argumentos para os dois lados.

Os professores dizem que trabalharam durante os anos cuja valorização está em causa e como tal os mesmos devem ser contados na totalidade para a progressão na carreira. Por sua vez o Governo argumenta que a carreira dos professores valoriza muito mais o tempo de serviço do que as dos outros funcionários públicos, pelo que, para manter justiça relativa na função pública, o tempo não pode ser contado da mesma forma aos professores, acrescendo que os encargos decorrentes seriam incomportáveis para a despesa pública.

Está claro que o último argumento, relativamente aos encargos, é politicamente demagógico. O Governo decide a repartição da despesa como entende e os encargos com as remunerações dos professores não podem ser considerados nem mais nem menos importantes do que os encargos com outros trabalhadores da administração pública. A sê-lo tal significa uma enorme e escandalosa injustiça. Não fará qualquer sentido dizer que há dinheiro para pagar a uns e não há para pagar a outros. Isso terá de ser interpretado como uma desvalorização objetiva e intencional da profissão docente face às outras.

Por outro lado, os impactos orçamentais do sistema de progressão, baseado no tempo de serviço na carreira dos professores, já estão calculados há largos anos e todos os responsáveis políticos, mesmo pouco atentos, o conhecem. E por maioria de razão muitos dos atuais governantes que já o foram em governos anteriores.

Quanto ao papel do tempo na progressão na carreira o Governo parece ter alguma razão. Na verdade, o fator tempo tem muito mais peso na carreira dos educadores e professores dos ensinos básico e secundário do que nas outras carreiras da administração pública. Mas, tal questão é do conhecimento geral e a situação existe desde há muito. É sabido que neste setor praticamente todos chegam ao topo da carreira com o decorrer do tempo, o que não acontece nas outras profissões da administração pública como os médicos, os enfermeiros, os próprios professores do ensino superior e outras, incluindo as que seguem o próprio regime geral da função pública.

Assim sendo, não deixa de parecer ferida de alguma dúvida a posição do Governo. Afinal sempre soube que o problema existia e a dimensão que tinha, pelo que não se compreende que não o tenha dito e previsto atempadamente. Afinal o Governo não propôs nenhuma alteração à carreira. Se entende que o fator tempo de serviço na progressão está a ser considerado de forma incorreta e injusta, o mínimo que pode exigir-se é que apresente uma proposta para a respetiva correção para o futuro (pois a não ser assim o problema vai continuar) e não se limite a cortar no passado, em que, afinal, as regras que estavam em vigor são respeitadas para todos menos para os professores.

É verdade que as tentativas para alterar a carreira dos professores, no que ao sistema de progressão respeita, esbarraram com a forte oposição dos próprios professores e das suas organizações sindicais e mesmo, quando chegaram a ser aprovadas em letra de lei, acabaram por ser revogadas pelos governos seguintes. Mas, tal não pode levar o Governo a não tentar corrigir o que considera incorreto e até injusto pois é essa a sua obrigação.

É evidente que o tempo ideal para negociar alterações teria sido o tempo do congelamento, para que, aquando do descongelamento, o problema estivesse, pelo menos, minimizado. Mas, como se sabe, o anterior Governo no que a tais questões diz respeito, limitou-se a “fazer de morto”, ou a revogar o que anteriormente havia sido aprovado.

O fim da carreira docente?

Os sindicatos têm vindo a referir que o objetivo do Governo seria “liquidar o estatuto da carreira dos professores” e integrá-los no regime geral da função pública. Realmente o argumentário do Governo, no respeitante à questão da contagem do tempo em função desse regime e não em função do que está definido para os professores, pode apontar nessa direção.

É preciso dizer que essa hipótese, a existir, é um grave erro. A atividade docente, tal com a atividade médica ou de enfermagem ou policial e diversas outras têm características próprias que as distinguem de forma bem clara das atividades administrativas e técnicas incluídas no regime geral da função pública, e que são exclusivas e distintivas daquelas profissões, e algumas vezes tão especificas que não são sequer comparáveis com outras (e isto não quer dizer que são melhores ou piores, mas sim que são diferentes). Para que a sua regulação seja adequada e eficaz tais profissões têm estatutos jurídicos de carreira próprios. Indiferenciar novamente essas profissões, ainda que pudesse facilitar instrumentalmente a governação, constituiria um grave recuo na gestão das atividades técnicas e profissionais (e também das políticas públicas) baseada na evolução do conhecimento científico e técnico.

Mas, não é só o Governo que deve refletir sobre isso. Os professores também necessitam de o fazer. Porque a sistemática recusa de alterações ao seu estatuto de carreira também põe em causa a evolução referida. Se a progressão na carreira estivesse estruturada para que o tempo de serviço não tivesse muito mais peso do que tudo o resto, existindo outros fatores significativos, como acontece noutras carreiras da função pública, o atual argumentário do Governo não poderia existir porque não faria qualquer sentido!

Professor do Ensino Superior; Ex-Secretário de Estado da Educação do XVII Governo Constitucional

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