A solidão nova

Começo a odiar o tempo que passo sozinho sem ela. É uma sensação nova para mim, a solidão.

Casámos há dezoito anos. Estamos escondidos. Quanto mais nos amamos mais temos de fugir. Somos como aqueles que não têm para onde ir.

Os lugares onde vivemos estão cheios de surpresas, trabalhos, deveres, emboscadas. As pessoas apanham-nos nas malhas delas. Tens de vir aqui, preciso de falar consigo, tenho um desafio para ti.

Como dois adolescentes passamos o tempo a arranjar maneiras de ficarmos sozinhos, num lugar seguro onde as interrupções não consigam respirar.

Começo a odiar o tempo que passo sozinho sem ela. É uma sensação nova para mim, a solidão. Sempre tive medo dela. Começo a saber que tinha razão.

É uma consequência inesperada do amor, a solidão. Eu quero estar sozinho - mas é sozinho com ela, sozinhos os dois, eu dentro de um livro, ela dentro doutro e mais nada a passar senão a brisa. Soa mal porque é verdadeira esta malvadez de não querer mais nada.

Começo também a perceber, depois de tantos anos de amor contínuo, que a minha alma, a minha maneira de ser, a minha personalidade, a minha solidão particular, não existem só em mim. Existem através da Maria João, da maneira como ela trata comigo, da maneira como somos um para o outro.

Por isso é que quando eu não estou com ela (que é nunca) sinto também falta de mim. Se não lhe posso contar e mostrar coisas elas não conseguem existir. Só passando por ela, pelas reacções dela, é que se tornam coisas vivas, como as pessoas.

Espero que também seja assim com a Maria João. Tenho medo. Sou bem-vindo ao mundo do amor, do medo e da solidão.

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