O pacemaker de André é como “a recarga da bateria de um carro que está parado”

Começou por ser um abcesso dentário, mas uma bactéria fez o coração de André Costa fraquejar. Aos 27 anos, tem o pacemaker mais pequeno do mundo e mostra que é possível ser-se doente cardíaco e levar uma vida activa. Este sábado, 29 de Setembro, assinala-se o Dia Mundial do Coração.

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André Costa tem 27 anos e "o pacemaker mais pequeno do mundo" André Rodrigues

Não fosse pelo tiquetaque contínuo, semelhante ao de um relógio antigo, a ecoar no silêncio da noite, e André Costa quase poderia esquecer-se do pacemaker que tem no peito. “Costumo dormir com música por causa disso”, confessa ao P3, entre risos. Há dois anos, era um rapaz com uma vida comum — trabalhava como técnico de modelação de calçado e, aos fins-de-semana, saía para dançar até de manhã. “A endocardite [infecção da camada interior do coração que pode danificar ou destruir as válvulas] começou por uma bactéria que apanhei nos dentes”, conta.

As inflamações dentárias eram recorrentes, por isso André não estranhou quando, no hospital, lhe disseram que era apenas uma gripe. Lembra-se de estar pronto para regressar ao trabalho e, a partir daí, a memória está em branco. “Só me lembro de acordar na cama do hospital”, recorda sobre o ataque cardíaco que o induziu em coma, aos 25 anos. Após um internamento de três meses no Hospital Santos Silva, em Vila Nova de Gaia, foi transferido para o hospital da sua área de residência, em Santa Maria da Feira. Mas uma nova infecção levou a uma nova hospitalização em Gaia. “Eram operações quase diárias para remover as bactérias que se alojavam no coração e pulmões.”

Foi por essa altura que implantou o primeiro pacemaker. André Costa já conhecia o dispositivo utilizado para regular batimentos cardíacos, cuja função compara, com humor, “à recarga que se dá à bateria de um carro quando está parado”. Mas nem por isso o susto inicial foi menor. “Quando melhorei, comecei a pesquisar se havia forma de disfarçar o pacemaker tradicional”, lembra. O mais surpreendente foi, no entanto, verificar que “podia fazer quase tudo como antes”.

Evitar comportamentos de risco

Apesar das complicações iniciais, o jovem, agora com 27 anos, diz que a recuperação foi fácil e rápida, já que “o coração se molda ao pequeno choque que sente de x em x tempo”. A recuperação cardíaca, sublinha, é mais desafiante no que diz respeito ao ajuste dos ossos e restantes órgãos. “O coração em si consegue recuperar muito bem, principalmente quando és jovem”, elabora, voltando à metáfora do carro. “Tens que fazer as rotações até poder arrancar — é o que um pacemaker faz”.

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O problema de saúde de André levou, inclusive, à alteração de comportamentos de amigos. André Rodrigues

Durante o processo de recuperação, a prioridade foi o descanso, apenas interrompido pelo exercício diário com uma pedaleira para reaver o movimento e a força. “Só tenho que evitar comportamentos de risco como fumar e beber, mas isso aplica-se a toda a gente”, reconhece. O problema de saúde de André levou, inclusive, à alteração de comportamentos de amigos que, tal como a família, acompanharam o sobressalto que se seguiu ao diagnóstico. “Consegui fazer com que dois deles deixassem de fumar”, brinca.

Se, inicialmente, a doença pôs a vida de André de pernas para o ar, também lhe deu uma lição importante – obrigou-o a levar a vida de forma mais tranquila. “Eu era uma pessoa muito stressada, mas tive que me habituar a fazer as coisas com calma”, explica. Além disso, aprendeu a relativizar tudo. “Se isto acontecesse nos anos 50, eu estava morto”, reconhece. “Daqui a uns anos isto vai ser como ter uma apendicite.”

Redireccionar a vida

Mais recentemente, André Costa colocou o pacemaker mais pequeno do mundo, aparelho com 2,5 centímetros e um décimo do tamanho convencional. Além de passar despercebido, o dispositivo vai reunindo toda a informação necessária para ser ajustado a cada consulta. “Hoje em dia, ser cardíaco é ser uma pessoa normal”, sublinha o jovem. “Uma pancada dói mais do que antes, mas não é nada de grave.”

O período que passou entre quatro paredes, certo de que nunca mais poderia forçar o corpo como antes, levou-o a uma paixão antiga — a culinária. “Sempre gostei de cozinhar e quero que seja esse o meu emprego”, revela, admitindo que o regresso aos estudos está para breve. E, entre os tropeções dos últimos anos, André acredita estar onde sempre quis. “Mesmo que haja um desvio no caminho, o destino é sempre o mesmo.”

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