Falta a Armanda

A Armanda era espantosa, um teatro, um fado, um arroz de grão, gargalhadas de fazer doer, um coração imenso, uma grandeza, um amor de mulher, um amor.

Morreu a mãe da Maria João. Chamava-se Armanda e era impossível não gostar muito dela. Era eléctrica. Era torrencial.  Inventava tudo. Inventava expressões que faziam rir durante décadas, aplicando-se a novas gerações de insuspeitos.

Tinha um sentido de humor desconcertante, inteiramente livre de inibições e de influências, trabalhando as palavras mais vivas da língua portuguesa. Escrevia com o que dizia. Lia-se perfeitamente. Eu ficava sempre com pena que não tivesse sido escritora. Teria sido uma grande escritora. Era grande em tudo o que fazia. Tudo o que fazia e dizia era em grande.

"O meu nome é Armanda, não é Ármanda" dizia a mais lisboeta das lisboetas. Casou com 18 anos sem saber cozinhar. Perguntava às amigas mais velhas "como é que fazes a carne assada?". Ouvia atentamente as receitas e respondia "Ah pois. É como eu. E mais: como é que fazes iscas?"

Inventava pratos. Fazia pratos tradicionais de maneiras revolucionárias, nunca antes ou depois tentadas. Por isso dizia "Eu não sou cozinheira". E não era. Nunca seguiu uma receita na vida. Inventava os pratos até atingirem o máximo de deliciosidade.

Quem teve a sorte de provar o que ela fazia sabia que ela era uma cozinha à parte, um país que era só ela. Era a melhor cozinheira que já conheci. E era preciso conhecê-la para saber que a cozinha dela era maravilhosa porque ela era uma maravilha, uma artista que cria porque quer, porque não é capaz de parar, porque se aborrece com o que já criou e tem de criar coisas novas.

A Armanda era espantosa, um teatro, um fado, um arroz de grão, gargalhadas de fazer doer, um coração imenso, uma grandeza, um amor de mulher, um amor.

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