Pouco barulho

A nossa percepção de excelência tem andado distorcida. Vangloriamos quem trabalha muito, quem está sempre ocupado e quem é uma “máquina”.

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Kalen Emsley/Unsplash

Tantas vezes confundido com um vazio aterrorizante, o silêncio é uma oportunidade que, cada vez mais, tendemos a desperdiçar. Esbanjamos, diariamente, milhares de segundos a embriagarmo-nos com ruídos e distracções só para não termos de lidar com a única pessoa com quem iremos ter de viver até ao fim dos nossos dias: nós. Pode ser profundamente assustador parar para observar as emoções que deambulam no nosso interior. Podemo-nos deparar com sentimentos complexos e, até mesmo, perceber que temos andado iludidos a nosso respeito. Por outro lado, não será esta uma travessia obrigatória caso queiramos vislumbrar a nossa essência e assumir controlo de todo o nosso potencial? Porque será que desistimos de ouvir o silêncio?

A nossa percepção de excelência tem andado distorcida. Vangloriamos quem trabalha muito, quem está sempre ocupado e quem é uma “máquina”. O “não fazer nada” foi relegado para a divisão da preguiça, onde jogam os improdutivos juntamente com os calões. Subtilmente, foi-nos incutido que parar era sinónimo de estagnar e que o silêncio era o pior sítio para estacionarmos a nossa mente saltitante. A ansiedade é o nosso estado natural, enquanto a serenidade continua a ser algo estratosférico, apenas ao alcance daqueles senhores de trajes laranjas que passam os dias a não pensar em nada. E, no meio disto tudo, continuamos sem desvendar a nossa natureza. Há destinos em que o piloto-automático não consegue aterrar.

Já ninguém vai à casa-de-banho sem o telemóvel. Poucos são aqueles que abdicaram de ter uma banda sonora constantemente a debitar decibéis pelos auscultadores. A televisão, as séries, os stories do Instagram. Chamamos a tudo isto entretenimento. Não podem existir tempos verdadeiramente mortos. Há que lhes dar vida, nem que seja com mais um voice no WhatsApp. No entanto, não serão todas estas ocupações, na verdade, distracções? O nosso plano de fuga é interminável. Fazemos de tudo para não acordar da anestesia e dar de caras com quem realmente somos. Um analgésico apenas encobre a dor, não elimina a ferida.

Quem não tem pavor do tédio? Uma espécie de tortura psicológica, como se nos estivéssemos a afogar numa piscina sem água. Fazemos de tudo para evitar ficar aborrecidos. O aborrecimento e o tédio são ambos margens do rio do vazio. “O que é que eu faço agora?” — era com esta pergunta que eu aborrecia a minha mãe quando era criança. A diferença é que, na altura, não dava para empurrar o problema para debaixo de um tablet. Também não dava para ver desenhos animados em loop até ficar hipnotizado. Tinha de inventar. É isso mesmo, o tédio aguça a criatividade. O vazio, à semelhança da folha em branco, pode assustar, mas, ao mesmo tempo, tem imenso espaço para estimularmos o nosso imaginário. Haverá forma mais genuína de despendermos o nosso tempo? Acredito que não.

Uma vez li que estamos melhor conectados quando não estamos ligados ao Wi-Fi. Passear longe do ruído artificial é uma das melhores formas de serenarmos e obtermos a claridade que, consciente ou inconscientemente, todos almejamos. Existem respostas que não se podem obter nem no Google nem num tutorial do YouTube. As grandes questões, aquelas que nos comem as unhas e levam o sono para longe, podem ser desfeitas se nos dispusermos a olhar para dentro. Tirar o pé do acelerador pode evitar muitos acidentes. Parar pode fazer com que não caiamos do precipício. Não fazer acontecer pode ser a única forma de deixar que algo aconteça. Distanciarmo-nos pode ser a melhor forma de chegarmos mais perto.

Ouve o que o silêncio tem para te dizer. Mas atenção: ele fala baixinho.

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