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Não tenhamos dúvidas: o melhor combate contra a corrupção deve partir dos próprios cidadãos e, mais importante do que multiplicações de leis, precisa-se de instrumentos eficazes no plano da prevenção e investigação deste tipo de ilícitos.

Este é o título do seminário realizado na passada terça-feira (dia 26/6/18), promovido pela Presidência do Conselho de Ministros, sobre a prevenção da corrupção, com o objectivo de atingir o centro do poder, supostamente menos partidarizado: as secretarias-gerais de todos os ministérios, a cúpula da administração do Estado, o INE, os Serviços de Informação e Segurança (SIS), Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e as Direcções Regionais. Perante uma plateia onde se encontravam presentes meia centena de secretários-gerais dos vários ministérios, directores-gerais e outros altos funcionários da administração do Estado, foi apontado pelos diversos oradores a necessidade de evitar os riscos legais provenientes da elaboração de leis que permitam incerteza na sua interpretação e aplicação. As normas legais obscuras, com “zonas cinzentas” e imperceptíveis pelos cidadãos, favorecem a fraude, a corrupção e o conflito de interesses. Importante será, como conclusão retirada do seminário, que as “leis passem a ter nota justificativa sobre os riscos de corrupção". (cf. Leonete Botelho, PÚBLICO, de 26 e 27/6/18).

No entanto, o referido seminário poderia ir mais longe na sua análise, envolvendo também o poder local. Com efeito, um estudo denominado “A corrupção participada em Portugal 2004-2008” concluía que o sector principal da corrupção e crimes conexos é o da administração local. As razões apontadas são várias, salientando-se a desordem normativa sobretudo nas áreas de urbanismo e de licenciamento comercial; a tendência dos detentores do poder para fazerem um aproveitamento privado de bens e espaços públicos; a tolerância da corrupção por parte dos cidadãos; a falta de fiscalização por parte das oposições; a politização crescente dos lugares públicos; a falta de garantia de que os nomeados para cargos de direcção pública são pessoas de reconhecido mérito, isenção e honestidade; a inoperacionalidade do sistema de justiça penal.

As 838 participações e processos analisados são um número muito reduzido para o espaço temporal de 2004-2008 e os casos levados a julgamento são ainda menos, o que reflecte a grande dificuldade na obtenção da respectiva prova: 440 processos foram arquivados e 14 julgamentos terminaram em absolvições. As iniciativas em curso no combate à corrupção dão a ideia da gravidade da situação. Há tempos, no âmbito da Assembleia da República, foi constituída uma Comissão Contra a Corrupção que ouviu diversas personalidades com vista a dar a sua contribuição para elaborar uma nova lei contra a corrupção. Também junto do Tribunal de Contas foi criado o Conselho de Prevenção da Corrupção, no âmbito do qual foi recomendado a 750 entidades-chave na gestão de dinheiros, valores e património público que elaborem e entreguem àquele organismo os chamados Planos de Prevenção de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas e que os publicitem no sítio da internet das respectivas entidades. Esperava-se que todas as entidades a quem foi solicitado tal documento cumprisse este requisito de publicidade, o que não se tem verificado.

Mas, não tenhamos dúvidas, o melhor combate contra a corrupção deve partir dos próprios cidadãos e, mais importante do que multiplicações de leis, precisa-se de instrumentos eficazes no plano da prevenção e investigação deste tipo de ilícitos.

Uma boa governação deve ser exclusivamente norteada para o bem da “res publica”, exigindo ética, rigor e verdade, pressupostos que estão nos antípodas da corrupção, da demagogia e da manipulação. Quem não está pronto a sujeitar-se a este imperativo de exigência não poderá pretender ser líder, devendo ser afastado de tal pretensão e chamado a responder sem qualquer possibilidade de salvaguarda imunitária. Há muito que assistimos à nomeação de gestores para as empresas públicas e participadas pelo Estado ou das autarquias locais que não cumprem os requisitos mínimos de competência e honestidade para ocupar essas funções, sendo escolhidos para serem simples correias de transmissão do poder.

Os dados fornecidos pelos organismos da União Europeia (UE) que tratam do fenómeno da corrupção não têm a sido nada favoráveis a Portugal. Na publicação do Índice de Percepção da Corrupção da Transparency International, referente a 2017, num total de 180 países, Portugal aparece no 29.º lugar, à frente de Espanha (42.º), Itália (54.º) e Grécia (59.º).                                                                                                                                     

É um erro pensar que as democracias são perenes. As crises em que vivemos (económico-financeira e de valores), associadas a um desprestígio e descrédito profundo das instituições, minando profundamente o Estado de Direito, podem fazer ruir o sistema democrático. Como se vê são muitos os desafios que carecem de urgente resolução e, por isso mesmo, devem ser transformados em causas nacionais por parte de todos nós, na procura de uma sociedade que seja verdadeiramente democrática no plano político, económico e social. Acontece que, minados os alicerces morais e éticos, a previsão da impunidade das infracções e dos crimes ajuda a alargar a esfera da marginalidade dentro de qualquer Estado. 

Convém recordar, finalmente, que a actividade política não tem apenas como limite a lei, porquanto a sua acção é também limitada pela ética, que, sendo anterior a ela, deve funcionar como regra subsidiária da lei.

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