De Hainan a Moscovo, à procura da magia do Euro 2016

Enquanto os adeptos portugueses não chegam em força à capital, Portugal vai contando com apoiantes menos convencionais.

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Segundo números oficiais, o metropolitano de Lisboa transportou, durante todo o ano de 2017, um total de 161.490.266 passageiros. Em apenas 20 dias, o metro de Moscovo supera esse número. Viajar na rede de transportes subterrânea mais movimentada da Europa — a nível mundial só é superada pelas de Tóquio, Pequim, Seul e Xangai — pode ser uma aventura tão entediante como desafiadora. Por estes dias, o Metro de Moscovo é também o centro do universo futebolístico. Por lá passam centenas de milhares de adeptos vindos de todo o mundo e foi lá que o PÚBLICO encontrou, de cachecol de Portugal ao pescoço, Li Shuliang e Li Hui. Viajaram de Hainan, a menor província da China, e amanhã serão mais dois “portugueses” no Estádio Luzhniki.

O Mundial 2018 fez de Moscovo uma metrópole ainda mais cosmopolita. Uns passaram pela capital russa para acompanhar a sua selecção (argentinos, mexicanos, alemães e islandeses), outros parecem estar por todo o lado (peruanos e colombianos) apesar de a equipa dos seus países andar por outras latitudes. Portugueses, ainda, nem vê-los — a estreia da selecção foi a cerca de 1500 km do Kremlin. Mas se os reforços para o jogo com Marrocos no Estádio Luzhniki apenas deverão começar a fazer-se notar a partir de hoje, há dois “portugueses” que chegaram mais cedo.

A estatura baixa, os olhos rasgados e a forma compenetrada como teclam furiosamente nos telemóveis, apesar de se manterem de braço dado, não enganam: à minha frente, está um casal de jovens asiáticos. Mas há algo que não bate certo no quadro. Ao pescoço, cuidadosamente entrelaçados, ambos têm pequenos cachecóis vermelhos e verdes. Um olhar mais atento confirma: num dos extremos está o símbolo da FPF. Quando o metro pára, a abordagem é, por isso, inevitável.

- “Falam inglês?”
- “Sim, mal”, responde ele, claramente desconfiado e com um sotaque rude.
- “Sou português. Podemos falar um pouco?”

A minha pergunta desbloqueou qualquer tipo de receio. De sorriso aberto, ele abriu de imediato o casaco cinzento, exibindo com orgulho a camisola branca da selecção portuguesa que tinha vestida. A sua grande paixão começa a ser revelada: “É a camisola do Cristiano Ronaldo!”

“Defesa é muito velha”

Ele é Li Shuliang. Tem 27 anos. Ela tem a mesma idade. Chama-se Li Hui, mas apesar de falar melhor inglês do que o namorado, ao longo da conversa manter-se-á sempre fiel à sua aparência: delicada e discreta. Vieram ambos de Hainan, que fica situada a cerca de 500 quilómetros de Hong Kong e é a menor província da China — e a única que é constituída por um arquipélago.
Mas o que fazem dois chineses a 7000 km de casa com cachecóis de Portugal ao pescoço? “Viemos para Moscovo para ver Portugal.” Motivo? Li Shuliang acaba com as dúvidas: “Gosto do Cristiano. Gosto de tudo nele. É tão bonito, tão forte! Tem uma postura muito cool.”

A devoção começou “há uns 10 anos, quando ele ainda jogava no Manchester United”. Só depois surgiu a transferência para o Real Madrid e o jogador “começou a ter mais sucesso”, mas Li Shuliang “já gostava dele antes”. E Li Hui? Ele antecipa-se na resposta: “Gosta! Também gosta”. Ela não o contradiz e desenvolve. “Gosto porque ele gosta”, assume. “Vemos os jogos juntos na televisão. E sempre que eu vejo um jogo, o Cristiano Ronaldo ganha.” Boas notícias para Fernando Santos, portanto. A primeira vitória de Portugal no Mundial 2018 parece garantida.

Triste por só ir ver um jogo — “Procurei bilhetes demasiado tarde” —, mas feliz por poder estar amanhã no estádio, Li Shuliang diz gostar também de Pepe, “que jogou no Real Madrid”; de Bernardo Silva [AC18], “que será uma boa ajuda para Cristiano Ronaldo”; de “[André] Silva do AC Milan”. Mas há algo que o preocupa. Com a ajuda do telemóvel, usa um tradutor para apontar o que o desassossega: “A defesa é muito velha. E isso será um perigo.” Motivo para descrença? “O Brasil, a Alemanha, a França e a Argentina talvez sejam mais fortes. Mas acredito que neste Mundial possa acontecer alguma magia, como aconteceu magia no Euro 2016”, diz ao PÚBLICO, com evidente entusiasmo. “Podemos voltar a ser campeões”. 

Com a paixão de Li Shuliang por futebol e por Cristiano Ronaldo, o casal junta o útil ao agradável. Ele vê o seu ídolo, ela vai cumprindo parte do seu sonho: viajar pelo mundo. Após visitarem Singapura, Indonésia e Malásia, Moscovo é o primeiro destino fora da Ásia que conhecem, mas a agenda futebolística de Li Shuliang permitirá que Li Hui coloque no próximo ano mais vistos no seu passaporte. 

Bem informado, este chinês garante que em 2019 irá a Madrid para ver Cristiano Ronaldo na final da Liga dos Campeões. O jogo será a 1 de Junho no Estádio Wanda Metropolitano, do Atlético de Madrid. Para depois, fica prometida uma visita a Portugal, um país que Li Shuliang imagina ser “bonito, com muita gente a jogar futebol nas ruas”.

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