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Faça chuva e faça-se Primavera

Paulo Pimenta
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Paulo Pimenta

Aproximavam-se os dias do festival e iam aparecendo os anúncios, às pingas, em grupos no Facebook: “Vende-se bilhete Nos Primavera Sound. Razão: dilúvio”. Outro: “Compro passe geral para o Inverno Sound no Parka da Cidade do Porto”. E nos comentários, os incentivos: “Anda, não vai chover assim tanto”. Mas choveu. Chovia mal as portas se abriram no primeiro dia, 8 de Junho, para deixarem entrar Father John Misty, Lorde e Tyler, The Creator; parou ao chegar da noite. Já o segundo, de Superorganism, Thundercat, Fever Ray e Unknown Mortal Orchestra, foi um verdadeiro dia de Primavera. E depois chegou o terceiro. “A tempestade já vai longe”, bem que cantava Luís Severo ao início da tarde, mas ela estava lá e só foi para longe já era de manhã. 

Chovia nos guardas-chuvas — quantas vezes se ouviu apelos para que os fechassem durante os concertos —, nos milhares de impermeáveis de dezenas de cores, alguns tirados da gaveta depois da edição de 2014, atormentada por semelhante intempérie, e que no final da noite eram só plásticos encharcados. Chovia nos cabelos escorridos de quem só queria dançar, dentro dos copos de cerveja, nas galochas, nos pés (“é só água”, ria-se alguém, de sandálias). Embaciava os olhos, os óculos, as objectivas — a de Paulo Pimenta, fotojornalista do PÚBLICO, andou sempre à chuva, como aqui se vê. As filas migraram dos brilhantes e das flores para a barraquinha de impermeáveis que o principal patrocinador estava a oferecer (esgotaram ainda nem o céu estava escuro). E para o palco Bits, um enorme contentor fechado, dedicado à música eléctrónica, que esteve sempre cheio, mesmo quando nenhum DJ estava atrás da cabine. Trocava-se a relva e os caminhos lamacentos pelo asfalto cinzento e as bancadas do novo palco Seat.

Kelela não conseguia parar de agradecer “a todos que estiverem cá à chuva”. Nick Cave, que misturou chuva com lágrimas, doce com salgado, pedia que chovesse ainda mais. Porque ficava tudo “mais bonito”, exposto à chuva. E o venezuelano Alejandro Ghersi, Arca, que por sorte não foi abençoado pelos céus durante o concerto, poetizou. “Às vezes a vida dá-nos tempo inclemente”, começou, “mas o que nós temos de fazer é exactamente o que vocês esta noite aqui fizeram”. Isto é, mais do que aguentar a chuva, “dançar e dançar” enquanto ela nos molha. Sem. Parar.