O problema do vinho verde é ser bom e barato

A minha maior crítica é sobre a estratégia de promoção que a região tem seguido, a qual valoriza, acima de tudo, o vinho jovial, de piscina e esplanada, sempre associado ao Verão, e que beneficia mais os brancos baratos, gasosos e açucarados.

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Paulo Pimenta

No passado sábado, no suplemento de vinhos da Fugas, assinei um trabalho sobre a região de Monção-Melgaço, a pátria nacional do Alvarinho. No texto, a dado passo, escrevi: “(…) uma ou outra empresa maior deixou-se enredar no ciclo do produto indiferenciado e de baixo preço que tem marcado um pouco toda a região dos Vinhos Verdes. Por mais que o presidente da Comissão Vitivinícola Regional dos Vinhos Verdes, Manuel Pinheiro, torture as estatísticas, encontrando sempre boas notícias, a região continua a ser associada no mundo a um vinho jovial e barato”. Foi a única crítica, o resto foi só elogios, merecidos, ao potencial da sub-região Monção Melgaço e dos vinhos de Alvarinho. No mesmo dia, aproveitando um post meu no Facebook a criticar a cobardia dos jornalistas que assistem impávidos aos monólogos insultuosos de Bruno de Carvalho, o presidente da Comissão Regional Vitivinícola dos Vinhos Verdes, Manuel Pinheiro, enviou-me uma farpa: “Gajos que escrevem e falam do que não sabem, apoiados em invenções e mentiras, com o singelo esforço de se destacarem da mediocridade que os caracteriza, é pão nosso de cada dia. E dão-lhes palco, isso é que é mérito!”.

Manuel Pinheiro é como o presidente do Sporting, Bruno de Carvalho: se o elogiamos, somos os maiores; se o criticamos, somos uns medíocres.

Uma vez por outra tenho criticado Manuel Pinheiro pela forma obsessiva e propagandística como divulga estatísticas positivas sobre os vinhos verdes (já agora, podia também revelar os montantes gastos em promoção nos últimos 10 ou 20 anos e compará-los com o aumento do preço médio do vinho verde no mesmo período, para percebermos se os sucessivos aumentos de vendas têm sido acompanhados de um aumento significativo de valor). Mas a minha maior crítica é sobre a estratégia de promoção que a região tem seguido, a qual valoriza, acima de tudo, o vinho jovial, de piscina e esplanada, sempre associado ao Verão, e que beneficia mais os brancos baratos, gasosos e açucarados. O que me move? O reconhecimento do enorme potencial dos vinhos minhotos e o desejo de os ver num patamar de prestígio e de preço mais elevado. Dirijo as críticas a Manuel Pinheiro porque é ele que lidera a comissão vitivinícola. Na hora das boas notícias, das inaugurações e das entrevistas também é ele que assume o protagonismo.

Indo ao essencial: não tenho nada contra vinhos como o Casal Garcia, o Gazela ou o Muralhas. Posso não gostar, mas são vinhos honestos que geram receitas muito importantes para a região e que têm o seu mercado. O que critico é a excessiva exposição da região àquele tipo de vinhos, porque ela contamina a imagem de todo o território. O Mateus Rosé é uma marca extraordinária e importantíssima para Portugal, mas associar o país ao Mateus Rosé seria o pior que podia acontecer a Portugal, porque Portugal é muito mais do que Mateus Rosé. Da mesma forma, a região dos Vinhos Verdes é muito mais do que Gazela, Casal Garcia ou Muralhas.

Só o facto de se usar o chapéu “Vinhos Verdes” para tudo já é algo demasiado redutor e castrador. “Vinhos Verdes” porquê, se nem sequer corresponde ao nome da própria região onde se insere? A região só tinha a ganhar se apostasse mais na sua identidade geográfica, nas diferenças e particularidades de cada sub-região. Reduzir tudo a esse conceito meio abstracto chamado “vinho verde” amarra a região a um produto que só gera valor se for vendido a uma escala industrial.

É por essa razão que, no meu entender, a existência simbólica de sub-regiões já não chega. É preciso dar um passo mais ousado e avançar para a criação de diferentes denominações de origem no seio da própria região dos Vinhos Verdes, mesmo que sob um chapéu comum. O acordo estabelecido com o Alvarinho e a região de Monção-Melgaço já é um bom primeiro passo — e aqui Manuel Pinheiro tem estado bem.

O presidente da Comissão dos Vinhos Verdes também tem os seus méritos. Ninguém lhe pode negar competências técnicas e políticas. O seu principal déficit, se calhar, é não ser um homem da terra, não fazer vinho. Viver entre as vinhas e sentir na pele as dificuldades dos viticultores faz toda a diferença, para se poder pensar para além dos interesses das grandes empresas, que são as que mais vinho engarrafam e que mais selos compram. Há produtores mais pequenos que, pela qualidade dos vinhos que fazem, pelos riscos que correm na procura da diferença, também podem ser importantes no aumento da notoriedade e prestígio da região. Colocar o chapéu de lavrador, vestir roupa de tons verdes e ir às vindimas para cortar um cacho e aparecer nos telejornais, como fazia Paulo Portas, já não chega.

O potencial enológico do Minho e os viticultores da região merecem mais ambição por parte de quem os representa. Há quatro anos, numa entrevista, Manuel Pinheiro deu-me esta resposta a propósito dos baixos preços dos vinhos verdes: “Temos duas preocupações: que o viticultor seja justamente remunerado pelas uvas que produz e que o cliente encontre excelentes vinhos a bom preço. Ora, se quanto à segunda, isso é claro, quanto à primeira, a nossa região é a que melhor remunera as uvas brancas em Portugal.” É muito pouco. Receber pelas uvas o mesmo ou pouco mais do que se gastou a produzi-las (as uvas de Alvarinho são a excepção) e vender bons vinhos a dois ou três euros a garrafa não é um cenário que deva contentar alguém, muito menos o presidente de uma comissão vitivinícola.

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