Usar a Europa para atacar a democracia

Não podemos mudar os princípios à democracia quando os resultados não nos agradam, esse é o princípio da coesão social que tem aguentado a Europa ao longo dos últimos 60 anos.

A Itália está a fazer tudo mal. Recusar um governo que sai de umas eleições democráticas só porque um ministro das Finanças tem dúvidas sobre o futuro da economia italiana é uma situação tão disparatada que só pode dar mau resultado. 

Isto é tão básico que nem mereceria ser dito: as escolhas democráticas são soberanas, não pode haver interferências em nome de um bem maior, por muito tecnocráticas que sejam. O Presidente Mattarrela pode achar que está a prestar um serviço à Europa, mas está a atacar a ideia de democracia — que é o fundamento essencial da construção europeia.

É óbvio que este governo de iniciativa presidencial não vai passar no Parlamento. Isto vai empurrar a Itália para novas eleições, em que a probabilidade de entregar uma maioria aos populistas é tremenda. Até porque é o próprio Presidente a dar o mote eleitoral da campanha populista, que andará sempre à volta da ideia de que a melhor maneira de devolver soberania à Itália é votar Liga, 5 Estrelas ou Berlusconi. 

Pior: o novo escrutínio deverá ser marcado para depois do Verão, mantendo à frente do Governo um tecnocrata não eleito, que sabe estar a prazo e que não tem legitimidade para tomar decisões. Isto tem duas consequências imediatas: em termos económicos, vai forçar a que reformas e evoluções no país sejam postos em banho-maria por mais seis meses, o que vai ajudar muito à instabilidade dos mercados e propiciar a manutenção da crise. Em termos políticos, força a Itália a estar representada por um “babysitter” na cimeira do G7 e no Conselho Europeu que deveria ser determinante para o futuro do euro. Deveria, mas não vai ser — porque o país com a situação mais periclitante é aquele que vai estar sub-representado.

Não podemos mudar os princípios à democracia quando os resultados não nos agradam, esse é o princípio da coesão social que tem aguentado a Europa ao longo dos últimos 60 anos. Mesmo com o medo dos papões populistas, não pode valer tudo. Uma União Europeia credível que quer contestar a autocracia que grassa na Polónia e na Hungria não pode continuar a subverter as regras democráticas nos outros países — mesmo que isso seja promovido por algumas figuras dos próprios países. 

Antes de tomar estas decisões impetuosas, convém recordar o que nos trouxe até aqui — e o peso da intransigência de Bruxelas no crescimento destes populismos. Não aprendemos nada?

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