Uma nova maternidade em Coimbra: a defesa técnica duma impossibilidade técnica

Infelizmente, em Coimbra há uma propensão para aceitar esmolas e não reivindicar direitos, o que é profundamente contraproducente ao desenvolvimento da cidade e mesmo do centro do país.

O PÚBLICO, na sua edição de quarta-feira, 23 de maio, publicou um artigo sob o título “Uma nova maternidade para Coimbra”, subscrito por um conjunto de dirigentes e administradores da área da saúde a saudar e a defender a decisão de construir uma nova maternidade no campus dos Hospitais da Universidade de Coimbra.

Se é incontestável a necessidade de uma nova maternidade em Coimbra (não apenas para Coimbra), disso ninguém terá dúvidas e se essa construção é uma decisão política, disso também não há que duvidar. O que poderá ser contestável é o local da construção e é nesse campo que os referidos subscritores, suportados no seu estatuto profissional (todos se identificam como diretores ou administradores), vêm fazer a defesa do local de implantação da nova maternidade.

Eu, como simples cidadão de Coimbra preocupado com a minha cidade e com o que pode e deve oferecer aos meus concidadãos, agora e no futuro, e também a todos cidadãos do país, confesso que discordo da defesa que fazem da localização de uma nova maternidade no campus dos HUC.

Há, obviamente, argumentos de natureza técnico-cientifica compreensíveis e que merecem consideração, mas a construção de uma nova unidade hospitalar envolve um exercício mais vasto de considerações e uma reflexão suportada na experiência e na realidade existente. Realidade hospitalar e realidade urbana tendo em conta que a sua construção envolve com todo o tecido urbano e condiciona e é condicionada pelo existente.

Aliás, os argumentos expendidos pelos articulistas não me parece que sejam paradigmáticos da localização das maternidades, enquanto unidades de saúde dotadas de autonomia administrativa e financeira, como se verifica na generalidade das situações existentes, e também duvido que decorrem de algum protocolo institucional nacional ou internacional que, a existir, tornaria desnecessário o pronunciamento casuístico.

A defesa da contiguidade física com um hospital polivalente, como grande critério de localização, é também a defesa da redução à partida da capacidade da maternidade a criar e da entrada num contexto de acrescida confusão que um hospital com a dimensão dos HUC já hoje vive e que tão contestada é pelos seus utilizadores.

É que quem recorre hoje aos HUC na busca dos cuidados diferenciados que aí são prestados debate-se com as dificuldades decorrentes do confronto entre o gigantismo do estabelecimento e o raquitismo do espaço em que se insere, e isso não é um factor desprezível porque tem influência concreta na qualidade e na perceção que os utentes têm do hospital.

Na verdade, se os defensores da nova maternidade a entendem como uma unidade funcional apetrechada com todas as valências que uma maternidade deverá ter hoje e nas próximas décadas, então há que lhe dar forma e lugar consentâneo com esse objetivo. Se, por outro lado, ainda que não o digam explicitamente, entendem que o mais correto será o desenvolvimento nos HUC de um serviço de obstetrícia e neonatologia, então estão a esquecer o que são hoje os HUC, instalados num espaço claustrofóbico em nada consentâneo com o campus de um hospital universitário.

Infelizmente, em Coimbra há uma propensão para aceitar esmolas e não reivindicar direitos, o que é profundamente contraproducente ao desenvolvimento da cidade e mesmo do centro do país, e que me perdoem mas parece que os argumentos técnicos aduzidos são isso, mais uma vez, um favor ao poder central que até vai mantendo em funcionamento a Maternidade Dr. Alfredo da Costa, por pressão popular e sem quaisquer das preocupações que aparecem aqui por Coimbra.  

Também se poderia perguntar se não seria de ponderar a construção da nova maternidade nos campus do Hospital dos Covões, onde há condições de espaço e uma infraestrutura hospitalar diferenciada que poderia ser equacionada como sua retaguarda. Disso foge-se como o diabo da cruz.

É que tem vindo a ser óbvio, sem que tal se diga claramente, que está em curso um processo esquizofrénico de esvaziamento daquele hospital, em que se fazem obras ao mesmo tempo em que se extinguem coisas, e fazer lá a maternidade seria um entrave à extinção.

Quando ainda choramos a morte de António Arnaut e temos presente o seu grito de “Ó Costa, aguenta lá o SNS”, não me parece que seja lógico e claro que a decisão de avançar para a construção de uma nova maternidade no campus dos HUC não seja um enorme erro, mesmo uma impossibilidade técnica e até uma desvalorização do SNS.

Uma nova maternidade em Coimbra, que ficaria bem chamar-se “Maternidade Professor Mário Mendes”, poderia em simultâneo honrar o criador do SNS sendo construída no campus do Hospital dos Covões que, por sua vez, passaria a ser “Hospital Dr. António Arnaut”.

Coimbra e o país devem-lhes isso.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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