O dia em que um Presidente da República quis cancelar a final da Taça

Na final da Taça da época 1995-96, um adepto do Sporting foi morto por um foguete lançado por um membro de uma claque do Benfica. Jorge Sampaio tentou cancelar a segunda parte da partida. A sua vontade não venceu, mas não houve festa no Jamor.

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Jorge Sampaio Nuno Ferreira Santos

19 de Maio de 1996. No Estádio do Jamor decorria a primeira parte da final da Taça de Portugal da época 1995-96. Mais ou menos a meio dessa primeira metade do jogo, o Benfica marcou o primeiro golo da partida, que lhe dava vantagem frente ao Sporting.

Nos festejos, foi lançado um foguete da bancada “encarnada” em direcção à claque adversária. Vê-se uma chama junto aos adeptos do clube de Alvalade. Seguem-se gritos e uma grande agitação. Um adepto do Sporting tinha sido atingido no peito pelo foguete.

Rui António Pereira Coelho Mendes, um pedreiro de 36 anos, pai de duas crianças menores, acabaria por ser retirado já sem vida das bancadas do Jamor. Não pertencia a nenhuma claque. Era um simples adepto que tinha vindo numa excursão desde Lameiras de S. Pedro, perto do Luso, Mealhada, para ver e apoiar o seu clube.

Saber-se-ia alguns dias depois que o foguete tinha sido lançado por Hugo Inácio, um membro da claque do Benfica “No Name Boys”. Por este e por outros crimes de violência em recintos desportivos, Hugo Inácio cumpriu várias penas de prisão. Em 2017, voltava a ser condenado a uma pena de prisão efectiva. Desta vez, Hugo Inácio foi punido com três anos de cadeia e proibido de frequentar recintos desportivos durante sete anos, por ter feito deflagrar uma tocha no Estádio da Luz. A 20 de Janeiro deste ano, voltava a ser preso por desacatos quando estava a assistir ao encontro entre o Benfica e o Desportivo de Chaves.

Voltemos à tarde do dia 19 de Maio de 1996. Após a retirada do corpo de Rui Mendes, continua a agitação no estádio. O incidente fez com que a claque “leonina” começasse de imediato a abandonar o estádio, aos gritos de “assassinos, assassinos”. Muitos adeptos do Sporting gritavam também pedidos pela interrupção da partida.

Jorge Sampaio, Presidente da República na altura, pede uma reunião de urgência no intervalo do encontro. Nela participaram, além do chefe de Estado, o primeiro-ministro, António Guterres, o ministro da Administração Interna, Alberto Costa, o presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Gilberto Madaíl, o presidente do Benfica, Manuel Damásio, e o do Sporting, Santana Lopes.

Nessa reunião Jorge Sampaio defende que a segunda parte da partida seja cancelada de imediato. A ideia do Presidente não vinga. É defendido que o cancelamento poderia levantar maiores problemas de segurança do que a levar até ao fim, até porque não altura ainda não se sabia se o adepto do Sporting tinha morrido.

O Presidente cede, mas fica estabelecido que a habitual cerimónia festiva da entrega da taça na tribuna presidencial não teria lugar.

Ainda antes de a segunda parte se iniciar, Jorge Sampaio entra em directo na RTP para pedir calma. “O futebol é um momento de alegria, não pode ser um momento de tristeza”, afirmou o Presidente, também ele um amante do desporto e um sportinguista assumido.

Assim que o jogo acabou, Sampaio seguiu directamente para o hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, onde tinha sido internando Rui Mendes. Foi lá que a equipa médica lhe confirmou o óbito.

O Benfica ganhou a Taça ao bater o Sporting por 3-1, mas nessa tarde de 19 de Maio de 1996 não houve festa no Jamor. Junto ao local onde Rui Mendes tinha sido morto tinham sido deixados sobre uma mancha de sangue vários cachecóis e bandeiras do Sporting.

Foi há 22 anos, daí para cá, a violência no desporto e em recintos desportivos continua a ser uma praga.

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