Bem-vindo a Eryri, o coração verde de Gales

Nas vésperas de a Europa celebrar o dia dos parques nacionais, a 24 deste mês, gozámos de horas calmas numa errância serena por Snowdonia, olhando os seus picos, os seus lagos, as suas aldeias pitorescas, as suas gentes com uma identidade tão forte.

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Beddgelert, Bala, Harlech
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Hedd Wyn, Primeira Guerra Mundial, Trawsfynydd, Presidente do Bardo, Yr Ysgwrn
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Eryri. Croeso. São as duas primeiras palavras que aprendo em galês enquanto desfruto dos raios puros e cálidos do sol da manhã. Ao longe, avisto o castelo projectando-se contra o azul do céu sem uma nuvem, esse tesouro cultural que domina Conwy e que a UNESCO há já alguns anos integrou na sua lista de Património Mundial da Humanidade. Não tinha intenção de me deter por muito tempo nesta vila situada na confluência dos rios Giffn e Conwy, daqui desejava partir de imediato para o Parque Nacional Snowdonia, mas, talvez afectado por um dia radioso, deixei que Conwy, onde vivem pouco mais do que quatro mil almas, me prendesse por mais umas horas, para admirar aquela que é provavelmente a mais imponente fortaleza galesa de Eduardo I, erguida entre 1277 e 1307. Ainda assim, desde Conwy e do seu castelo, já sondava os contornos de Snowdonia.

Mesmo à minha frente, era a serenidade das águas do estuário que me seduzia, as pontes cruzando o rio Conwy, o charme que proporcionavam à vila com as suas muralhas correndo ao longo de 1200 metros e construídas na mesma época do castelo para garantir a segurança dos habitantes (talvez para submetê-los) nesses tempos de antanho. Percorro uma parte desses muros tão gastos e tão cheios de histórias e na Upper Gate volto a namorar, de forma ainda mais despreocupada, o cenário que me envolve.

Snowdonia parece chamar-me. Há três casas que sinto que não devo perder antes de rumar a essas montanhas tão amadas pelos galeses e tão envoltas numa teia de lendas. A Plas Mawr, com uma existência que remonta a 1585, próxima desta a Aberconwy House, a mais antiga casa de mercadores da Idade Média (levantada em finais do século XIII e inícios do século XIV) e, a curta distância de uma das margens do rio Conwy, com uma fachada vermelha e um telhado negro como um corvo, aquela que é conhecida como a casa mais pequena de todo o Reino Unido, tão minúscula que era mais recomendada para uma pessoa do que para um casal enquanto foi habitada.  

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Ao início da tarde, já com a abóbada do mundo perturbada por pequenos flocos de algodão que se semelhavam a ovelhas, os meus passos cruzaram-se com o mundo verde de Snowdonia, um parque que foi criado em 1951 (o que lhe confere o estatuto de primeiro parque nacional de Gales) e que se estende ao longo de quase 60 quilómetros (sentido oeste-leste) e mais de 80 de norte a sul, abrangendo zona costeira, rios e lagos.

Dominando Snowdonia com a sua imponência, visível daqui e dali, Snowdon eleva-se a 1085 metros acima do nível das águas do mar, atraindo todos os anos ao cume perto de 800 mil visitantes. Conhecido entre os galeses por Yr Wyddfa (significa Grande Túmulo, já que, segundo a lenda, um gigante chamado Rita Gawr foi morto pelo rei Artur, cujos feitos estão fortemente associados a Snowdonia, neste lugar e enterrado no topo), Snowdon é acessível através de seis diferentes trilhos, uns mais longos (não mais de 16 quilómetros) do que outros, com maior ou menor grau de dificuldade (o percurso de ida e volta exige entre cinco e sete horas) — quem não se sentir com capacidade para subir a pé pode sempre recorrer ao Snowdon Mountain Railway, um pequeno comboio cujo serviço foi inaugurado em 1896 e que leva os mais preguiçosos desde Llanberies ao pico em cerca de uma hora.

Geograficamente, Llanberies está fora dos limites do Parque Nacional Snowdonia mas tem uma vocação turística que contrasta com a ausência de beleza estética. Pelo menos à primeira vista. A vila foi construída para acolher os trabalhadores da pedreira de ardósia de Dinorwig — não deixe de dar uma espreitadela ao interessante Museu Nacional de Ardósia para melhor entender a importância desta indústria tão intimamente ligada à história de Snowdonia e da sua paisagem. Para uma melhor compreensão ainda, o ideal é percorrer mais alguns quilómetros, até desaguar em Blaenau, de onde partia a maior parte da ardósia que cobria, no século XIX, as casas do Reino Unido — e não só. Num instante, o olhar fixa-se em montanhas de lixo e logo depois se percebe que apenas 10% da ardósia extraída era utilizável. Em Blaenau, oferece-se ao turista a possibilidade de descer a uma verdadeira mina de ardósia, de conhecer com detalhe as péssimas condições de vida dos mineiros no século XIX.

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Aldeias pitorescas

A exemplo do que acontece noutros parques de Gales, Snowdonia enche-se de vida nas pequenas povoações que se encontram dentro do perímetro deste paraíso natural. Beddgelert, com 500 habitantes, é o meu primeiro destino, talvez atraído por mais uma das muitas lendas tão presentes no dia-a-dia das suas gentes. Cheia de charme, com as suas casas de pedra cinzenta olhando o rio Glaslyn, mais a sua ponte elegante de dois arcos, Beddgelert significa, de acordo com a crença popular, a campa de Gelert, uma referência a Llywelyn, um príncipe galês do século XIII. Este, acreditando que o cão de que era proprietário, Gelert, matara o seu filho bebé, deitado no chão junto a uma poça de sangue, abateu o animal e só mais tarde veio a descobrir que Gelert lutou com um lobo para tentar proteger (com sucesso) a criança.

Há quem defenda outras teses. Uma aponta para que a toponímia derive de Celert, um pregador irlandês do século V que terá fundado uma igreja no lugar.

Verdade ou não, a sepultura do cão, à qual se chega seguindo um bonito trilho ao longo do rio, continua a ser uma atracção em Beddgelert e poucos parecem dar crédito à outra tese que fala de um hoteleiro que fabricou a história para atrair mais clientes.

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Vale a pena o passeio, como também se justifica percorrer pouco mais de um quilómetro, até chegar à mina de cobre Sygun, já uma realidade na época dos romanos — a extracção terminou no século XIX, a mina foi definitivamente abandonada em 1903 mas mais tarde convertida em museu para mostrar aos curiosos como era a vida dos mineiros nesse tempo.

Gales tem nomes impronunciáveis. Em Snowdonia, até agora, nenhum se parece sequer com o da aldeia que desejo visitar daqui a uns dias, na ilha de Anglesey: Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwll-llantysiliogogogoch.

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Betws-y-Coed é mais simples de pronunciar e é, ao mesmo tempo, uma boa base para explorar o parque nacional de Snowdonia, uma bonita aldeia com o seu casario de pedra, humilde e ao mesmo tempo com ares de postal, erguendo-se com vista para um rio e tendo como vizinhos a floresta de Gwydyr e a junção de três rios, o Llugwy, o Conwy e o Lledr.

Com menos de mil habitantes, Betws-y-Coed era já um dos mais populares lugares de férias do interior de Gales nos tempos vitorianos, graças a um grupo de pintores locais que criaram uma comunidade artística para relevar e recordar a diversidade da paisagem de Snowdonia, uma atracção que foi exacerbada pela chegada do transporte ferroviário em 1868.

Snowdonia, com uma área de 2130 km2, está repleto de lugares que nos levam de volta à Idade Média. Opto por uma paragem em Dolgellau, com uma identidade tão própria, com as suas duas centenas de casas listadas para serem preservadas — a maior concentração em todo o país e uma realidade que tem muito a ver com o facto de se ter tornado, no século XVIII e no início do século XIX, num importante centro regional da então próspera indústria de lã. As casas foram construídas nessa época e pouco ou nada mudaram até chegarem aos nossos dias, agora que o turismo é a sua principal fonte de receita, em grande parte por força da proximidade de Cader Idris, a cadeira de Idris, crescendo até chegar aos 893 metros, naquele que é um dos picos mais apreciados para escaladas e onde todo aquele que passar a noite acorda louco ou transformado em poeta. Consta.

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A tarde não termina sem uma visita ao bonito estuário de Mawddach e, mais para norte, ao parque florestal Coed y Brenin, com os seus 3600 hectares tão agradáveis para passeios em bicicleta de montanha (mais de uma centena de quilómetros de trilhos).  

Um outro dia nasce e não tarda a conduzir-me, numa errância pausada, a Bala, mais uma pequena vila dentro de Snowdonia que tanto parece agradar a famílias e às crianças. A principal razão é o Bala Lake Railway, um pequeno comboio com as suas locomotivas vintage que, partindo da também pequena estação de Penybont, a menos de um quilómetro do centro de Bala, carrega os turistas para um passeio de 90 minutos que contorna o bonito Llyn Tegid, o maior lago de água doce de Gales, com um comprimento superior a seis quilómetros e com uma profundidade que ultrapassa, em alguns lugares, os 40 metros. Nos últimos anos, o lago tem vindo a ganhar reputação entre os adeptos dos desportos aquáticos e respira vida durante os meses de Verão, com o número de turistas a exceder o da população residente, não mais de 2000 — e desses, 80% fala o galês como língua principal.

Eryri. Croeso. Desta forma se referem a Snowdonia. Desta forma dão as boas-vindas.

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