Na política e no jornalismo, “está a generalizar-se o caos”

Paulo Portas diz que a intermediação está a pulverizar-se naqueles dois níveis, mas que, depois do caos, as pessoas vão exigir mais qualidade... ou aceitar um "excesso de autoridade".

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Francisco Pinto Balsemão, António Teixeira e Paulo Portas Nuno Ferreira Santos

O jornalismo e a política estão a sofrer crises paralelas e ambas têm a mesma causa: “a sua função de intermediação [dos partidos e dos jornalistas] está a ser pulverizada”. A tese é de Paulo Portas e vai mais longe: “Está a generalizar-se o caos, mas depois do caos, não sei em que momento, as pessoas vão precisar de qualidade”.

O pretexto era o lançamento, nesta quinta-feira, das bolsas de investigação jornalística da Fundação Calouste Gulbenkian, o debate era sobre Democracia e Jornalismo e os convidados do primeiro painel eram Francisco Pinto Balsemão e Paulo Portas, dois antigos jornalistas, fundadores de dois partidos políticos, ex-deputados e ex-governantes.

Balsemão dera o pontapé de saída, ao dizer que a democracia representativa, em que os partidos estão no centro do sistema, está em crise com o avanço dos populismos, e que a democracia directa tem perigos, como “a nomeação de reguladores não eleitos a quem é dada uma boa parcela de poder sem qualquer controlo democrático”.

Portas pegou na deixa e começou logo por se afirmar “bastante pessimista” em relação ao jornalismo e à democracia, considerando que sofrem de uma “crise paralela”, devido a uma “enorme tendência para a fragmentação, associada à prevalência das redes sociais”. “Os jornais clássicos foram colonizados pelas redes sociais, que não têm interpretação, não têm memória para além do ontem nem ideia de futuro para além do amanhã de manhã”, considerou, ilustrando: “Vivemos numa sucessão de emoções que se atropelam umas às outras e normalmente se convertem em indignações. E nunca sabemos o fim de uma história, porque a seguir já estamos a viver outra emoção”.

Tanto no plano político como jornalístico, continuou o ex-presidente do CDS-PP, “tudo é urgente, tudo é indignação. Não há passado nem futuro, só presente, e isto gera um tal caos, na aparência de uma enorme democratização, que não se sabe o que virá depois”.

Balsemão acrescentou outro dado relativo às redes sociais: “A exposição da privacidade tornou-se uma enorme atracção e muito do tempo que é destinado à informação acaba por ser consumido nisso, e não no jornalismo”. Ainda assim – e apesar de a imprensa ter de enfrentar os gigantes mundiais como a Facebook e o Google -, considera que as novas tecnologias representam uma boa oportunidade para o jornalismo: “Há muito a fazer, há que separar o trigo do joio, porque a Internet se transformou numa enorme lixeira, e o jornalismo é ainda mais necessário”.

Portas concordou, acrescentando dados de um estudo do MIT que aponta para uma prevalência de notícias falsas a circular na internet 6,5 vezes superior às verdadeiras. “O que me faz mais impressão é a indiferença relativamente à diferença entre a realidade e a pura mentira”, confessou. Mas neste contexto, defendeu que a função dos jornais “é dar esse crivo de conhecimento de que as sociedades precisam para poderem fazer escolhas (…) sem ser em pura reacção à urgência do momento”.

“As pessoas vão precisar de qualidade. Não sei em que momento, mas depois do caos vão exigir essa qualidade, vão ter de escolher entre manter-se no caos ou regressar à intermediação”, seja no jornalismo, seja na política, de preferência regressando aos partidos e à democracia representativa. Mas há um enorme risco, alertou: perante o caos, “as pessoas querem uma ordem qualquer” e isso pode trazer “um excesso de autoridade”.

Portas e Balsemão só divergiram já no fim, quando o antigo presidente do CDS defendeu que os meios de comunicação social devem assumir a sua orientação política e o fundador do PSD considerou que não, precisamente para se evitar o perigo, evidenciado pelo seu parceiro de debate, de os jornais se tornarem quase monocórdicos na informação que divulgam.

No período de debate, a jornalista Maria Flor Pedroso perguntou aos dois que tema escolheriam, se hoje se pudessem candidatar à bolsa de jornalismo de investigação que ali estava a ser lançada. “Uma investigação, tão profunda quanto possível, sobre a transferência, ou não, do poder em Angola”, respondeu Balsemão. Portas subscreveu o tema, apenas com uma nuance: “Eu não tenho dúvidas de que houve transferência de poder” em Angola.  

António José Teixeira, moderador deste debate, concluiu fazendo o lead numa frase: “As democracias hoje morrem com subtileza, o jornalismo é necessário para não as deixar morrer”.

150 mil euros por ano para jornalismo de investigação

A Fundação Calouste Gulbenkian apresentou esta quinta-feira o seu novíssimo programa de bolsas de investigação jornalística, com um valor de 150 mil euros anuais a distribuir por até dez projectos que apresentem um trabalho relevante para Portugal e os portugueses.

Desde que foi criada, em 1956, a Gulbenkian tem vindo a apoiar projectos em várias áreas de investigação, tendo atribuído mais de 80 mil bolsas. Mas estas são as primeiras na área do jornalismo. O objectivo, nas palavras da presidente da instituição, Isabel Mota, é “promover a literacia democrática”, porque, “para uma sociedade verdadeiramente democrática, é essencial garantir um jornalismo independente e qualificado.”

“As fundações são independentes e como tal podem ousar uma acção deste tipo, que esperamos que possam ser replicadas na sociedade”, acrescentou a presidente, manifestando também o desejo de que as bolsas contribuam para que “o jornalismo continue a atrair talentos". "Só assim garantiremos o seu e o nosso futuro”, justificou.

As Bolsas de Investigação Jornalística destinam-se a jornalistas com carteira profissional portuguesa válida, de órgãos de comunicação social nacionais e regionais, que apresentem trabalhos de investigação em áreas tão díspares quanto a política, economia, questões sociais, culturais ou históricas. As candidaturas abrem a 4 de Junho e encerram a 31 de Agosto de 2018.

A selecção será feita por um júri constituído por António Granado, Cândida Pinto, João Garcia, José Pedro Castanheira e Maria Flor Pedroso.

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