Os políticos e a mentira

Está na nossa mão não ver e comprar nada que seja de meios de comunicação social sensacionalistas mas, mais do que isso, está na nossa mão exigir que os meios de comunicação social não sensacionalistas não pratiquem o sensacionalismo

Daniel Sandvik/Unsplash
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Raúl Testa é leiriense. Formação académica
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Raúl Testa é leiriense. Formação académica

Existe uma convicção culturalmente enraizada em nós que associa a política à mentira. A verdade é que, tanto políticos como público em geral, todos estamos a matar a verdade. Um artigo de 2017 publicado na Scientific American mostra-nos números preocupantes. Com a confiança na capacidade de fact checking pelos média tradicionais a descer para mínimos históricos (actualmente, apenas cerca de 29% das pessoas acreditam na capacidade da imprensa de confirmar a veracidade dos factos que noticia), cresce o número de cidadãos cuja principal fonte de informação são as redes sociais (cerca de 63% da população). A Universidade de Stanford mostra, noutro estudo, que a larga maioria dos utilizadores de redes sociais não consegue identificar fake news e isso constitui um problema de proporções desconcertantes.

E é aqui que entram os políticos. Desde sempre que a prioridade de políticos populistas foi ganhar eleições e não dizer a verdade. Antigamente tinham que ser mais verdadeiros pelo simples facto de terem dezenas de jornalistas a investigarem os seus percursos e o facto de serem apanhados em mentiras era altamente danoso para a sua reputação. Ora, se a imprensa já não tem a confiança do público em geral, já não consegue cumprir o seu papel de gatekeeping (guardiã da verdade) — o que significa que as redes sociais libertaram os políticos sem escrúpulos para mentirem e distorcerem factos consoante lhes der mais jeito. Mentir passou a ser uma atitude altamente compensatória. De repente, os políticos deixaram de ter a imprensa entre eles e os eleitores constantemente a dizer o que é verdade e o que é mentira e cada vez mais estão a explorar esse facto. É isto que se quer dizer quando se menciona a época da pós-verdade.

Esta crise da imprensa e a criação das ecochambers (câmaras de eco) através dos algoritmos implementados pelas redes sociais, que apenas nos mostram opiniões semelhantes às nossas, poderão estar a dar um empurrão decisivo em direcção ao aprofundamento da polarização ideológica, que se caracteriza genericamente por uma crescente divergência de atitudes e pensamento político por parte do público em geral, que tem como consequência o enfraquecimento de posições moderadas e o reforço de posições extremas. Uma análise histórica mostra-nos que uma alta polarização ideológica costuma ser inimiga da democracia e antecede frequentemente à instauração de regimes ditatoriais.

Cabe-nos a nós, o povo, mudar isto. Cabe-nos verificar a credibilidade dos órgãos de comunicação social que lemos e especialmente aqueles que partilhamos. É possível continuar a confiar na imprensa tradicional, simplesmente agora temos que pesquisar um pouco mais. Está na nossa mão não ver e comprar nada que seja de meios de comunicação social sensacionalistas mas, mais do que isso, está na nossa mão exigir que os meios de comunicação social não sensacionalistas não pratiquem o sensacionalismo. Cabe-nos, como contribuintes, exigir que a RTP faça o papel de gatekeeping que se espera da imprensa.

Gostamos muito de ter redes sociais que nos liguem facilmente a todos os outros seres humanos com internet, agora temos que mudar os nossos comportamentos de forma a não cairmos nestas armadilhas, algo que pode comprometer a nossa democracia e, consequentemente os nossos direitos, liberdades e garantias.

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