Tudo menos cães

No nosso país, quem tem um cão como animal de estimação e o encara como um membro da família, mais tarde ou mais cedo, vai ter problemas com donos de estabelecimentos comerciais ou até mesmo com as forças da autoridade

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Vivemos num país em que colocar em causa as convenções sociais não é bem aceite mas permitam-me que me insurja contra a forma como os animais de estimação e companhia são tratados em Portugal. Sim, convém vincar que nos países mais desenvolvidos da europa os animais de estimação são aceites em todo o lado. Gosto particularmente de dar o exemplo dos alemães porque geralmente são conotados com frieza, cálculo e rigor, o que, na cabeça de algumas pessoas, será sinónimo para “espírito conservador” e, no entanto, na Alemanha, nomeadamente, na capital Berlim, os animais de estimação são mais que bem-vindos a todos os estabelecimentos, incluindo restaurantes. Lá, a presença de animais é até celebrada.

Em Portugal, para além de uma atitude algo anti-animais da maioria dos donos dos espaços comerciais, temos um estado que não tem vergonha de dizer aos donos de animais de estimação que estes não podem entrar em cafés, lojas ou restaurantes mesmo que os donos desses estabelecimentos não se importem com isso.

No nosso país, quem tem um cão como animal de estimação e o encara como um membro da família, mais tarde ou mais cedo, vai ter problemas com donos de estabelecimentos comerciais ou até mesmo com as forças da autoridade.

Portanto, comparemos:

- Fumar dentro de discotecas e bares ou em esplanadas de restaurantes e cafés, aumentando o risco de cancro nas restantes pessoas? Aceite.

- Levar um cão para dentro de um estabelecimento comercial como um café, um restaurante ou mesmo uma superfície de bricolage como o AKI ou uma loja de roupa como a Salsa? Proibido.

Agora que já percebemos que é absurdo o estado impedir a entrada dos animais nos espaços comerciais e castigar com multas os donos dos estabelecimentos que o queiram permitir, vamos então perceber os argumentos de algumas pessoas para não quererem os cães (porque é essencialmente de cães que estamos a falar) dentro desses locais:

- Os cães cheiram mal: há muitas pessoas que também cheiram mal e ninguém vai pedir ao dono do estabelecimento que expulse a pessoa, a menos que seja um exagero. Os cães cheiram mal se os donos deixarem que isso aconteça e acho bem que um dono com um cão que, por falta de higiene, está a cheirar mal, seja convidado a sair do estabelecimento em causa.

- Os cães ladram: a larga maioria dos cães bem treinados não ladram e, para além disso, as crianças também choram e berram dentro de estabelecimentos comerciais. Caso o cão comece a ladrar, por algum motivo não justificado e de forma interminável, entende-se perfeitamente que o estabelecimento peça para o dono e cão saírem.

- Os cães podem ser perigosos: os donos são responsáveis pelos cães e o cão só é perigoso caso o dono o tenha ensinado a ser. Se o cão demonstrar um comportamento agressivo com alguém, o dono deve imediatamente sair do estabelecimento e fazer os possíveis para resolver esse problema comportamental, sob pena de não poder passear com o cão onde gostaria.

Por isso, todos nós, incluindo os donos dos estabelecimentos comerciais, temos que ter inteligência emocional (no caso destes, inteligência comercial) e lutar para que os donos de cães possam utilizar esses espaços. A verdade é uma: quando me proíbem de estar, por exemplo, numa esplanada com o meu animal de estimação eu não volto a gastar dinheiro nesse local.

Faz algum sentido que os nossos cães não possam estar num espaço público e ao ar livre como uma praia ou um jardim público? Então e se o cão for vadio? Já não há problema?

Uma boa forma de resolver estas questões passará inevitavelmente por uma mudança de mentalidade relativamente aos cães. Há que entender que os cães já não são exclusivamente vistos como um animal com a função de guardar a nossa casa, hoje em dia os cães são nossos companheiros e são parte das nossas famílias. Se o amor e o respeito pudessem ser hierarquizados, diríamos que, para cada vez mais gente, os animais de estimação em nada estão abaixo dos nossos filhos, mas sim ao lado.

Esta mudança de mentalidade tem que ser liderada pelo Estado, é a ele que cabe a mudança legislativa para evitar esta separação total de espécies.

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