Quanto vale uma rua arborizada?

Nas cidades, os espaços verdes fornecem hoje serviços que vão muito além do recreio ou da estética.

As cidades são servidas por um sistema de infra-estruturas que garantem o seu bom funcionamento. Se uma entidade quer abrir uma vala na via pública para executar um trabalho tem que ter alvará e autorização e fazer a demonstração da sua capacidade para agir com segurança e qualidade. Exige-se que domine tecnicamente o que está a fazer sob pena de poder provocar acidentes e prejuízos aos cidadãos se danificar outras infra-estruturas. Mas mais que isso, exige-se que a infra-estrutura seja mantida nas condições de assegurar ao cidadão o nível de serviço que garante a qualidade de vida na cidade.

E no que respeita a intervenções no arvoredo de uma rua?

Nas cidades, os espaços verdes fornecem hoje serviços que vão muito além do recreio ou da estética. Apresentam-se como uma infra-estrutura indispensável no combate às ondas de calor, à regularização dos efeitos de cheias, à infiltração das águas, à melhoria da qualidade do ar ou como suporte à produção local de alimentos. Mas de entre os vários componentes desta infra-estrutura verde, o arvoredo nas ruas tem um papel crucial de ensombramento e consequente regulação térmica de proximidade, efeitos que dificilmente se podem substituir com outras intervenções. Uma rua com árvores pode ver a sua temperatura descer mais de cinco graus no Verão e os benefícios para a saúde acrescem às poupanças energéticas que também promove nos edifícios envolventes. No Sul da Europa, o arvoredo urbano de alinhamento é, na prática, um “jardim vertical” muito eficiente e com custos de instalação e manutenção extremamente reduzidos.

Mas quais são os mecanismos de protecção efectivos de um alinhamento arbóreo, como infra-estrutura sensível? São escassos.

Em primeiro lugar, em Portugal não é preciso ter qualquer qualificação, muito menos certificação, para intervir no arvoredo. Isso é notório de Norte a Sul do país com exemplos de abates ou podas incompreensíveis que não encontram defesa razoável em qualquer critério técnico de boas práticas. Estas intervenções radicais, muitas vezes por decisão directa de autarcas, destroem a prazo os exemplares atingidos porque provocam deformações irreversíveis na estrutura da árvore, enfraquecendo-a e promovendo o aparecimento de pragas e doenças.

Em segundo lugar, os mecanismos legais de protecção do arvoredo que poderiam restringir e regular as intervenções têm um âmbito limitado. A Lei n.º 53/2012 institui o regime jurídico da classificação de arvoredo de interesse público e a Portaria n.º 124/2014 rege os respectivos critérios de classificação e desclassificação. Mas esta protecção é feita na perspectiva do “monumento botânico e não no carácter infra-estrutural que um alinhamento representa num arruamento urbano. Pese embora a legislação permita que os municípios definam regulamentos próprios, e preveja que os PDM vertam o arvoredo de alinhamento para a Estrutura Ecológica e Planta de Ordenamento, os critérios previstos estão orientados em matéria de protecção para o seu carácter excepcional e o panorama da regulação é omisso no que respeita às intervenções de gestão, como as podas e os abates.

Cada árvore individualmente não tem por si só as características para ser classificada como “de interesse público”, e dessa forma salvaguardada. Por isso assistimos ao truncar de alinhamentos arbóreos como se se tratasse de mobiliário urbano que se instala ou desinstala de um dia para o outro.

Temos que evoluir para uma verdadeira protecção do arvoredo urbano. Exigir certificação dos profissionais que trabalham com este capital natural e regular a protecção do alinhamento arbóreo como infra-estrutura valiosa que é.

Porque, afinal, quanto vale realmente uma rua arborizada?

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