O que explica a descida das taxas de juro da dívida da República?

O Governo talvez exagere ao acreditar que é a credibilidade que ganhou com a boa execução orçamental em 2016 e 2017 que explica a redução das taxas de juro e mais ainda ao pensar que algumas décimas de consolidação orçamental adicional farão toda a diferença.

A descida das taxas de juro da República tem surpreendido tudo e todos. Por exemplo, a taxa de juro das Obrigações do Tesouro a dez anos está ao nível mais baixo desde de Julho de 1993, próximo do observado aquando do início do programa de expansão quantitativa do BCE em Março de 2015. A República consegue financiar-se a uma taxa de cerca de 1,67% a dez anos. Em contraste, a 30 de Janeiro de 2012 a mesma taxa chegou a atingir 17,36% apesar de, na altura, Portugal estar fora dos mercados e sob o programa de resgate da UE e do FMI. Ou seja, Portugal não emitia dívida de médio e longo prazo nessa altura e mesmo assim as taxas de juro subiam nos mercados secundários. O factor explicativo dessa evolução em 2011 e 2012 estará seguramente nos sucessivos downgrades da dívida da República para a classe vulgo "lixo", que obrigaram muitos fundos a vender a dívida pública portuguesa, independentemente do preço da venda.

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A descida das taxas de juro da República tem surpreendido tudo e todos. Por exemplo, a taxa de juro das Obrigações do Tesouro a dez anos está ao nível mais baixo desde de Julho de 1993, próximo do observado aquando do início do programa de expansão quantitativa do BCE em Março de 2015. A República consegue financiar-se a uma taxa de cerca de 1,67% a dez anos. Em contraste, a 30 de Janeiro de 2012 a mesma taxa chegou a atingir 17,36% apesar de, na altura, Portugal estar fora dos mercados e sob o programa de resgate da UE e do FMI. Ou seja, Portugal não emitia dívida de médio e longo prazo nessa altura e mesmo assim as taxas de juro subiam nos mercados secundários. O factor explicativo dessa evolução em 2011 e 2012 estará seguramente nos sucessivos downgrades da dívida da República para a classe vulgo "lixo", que obrigaram muitos fundos a vender a dívida pública portuguesa, independentemente do preço da venda.

O reverso parece ter ocorrido no último ano, a antecipar a subida do rating da República para a classe investimento pelas agências de rating S&P e Fitch, o que veio a ocorrer em Setembro e Dezembro de 2017, respectivamente. Muitos fundos de investimento, que adquirem dívida automaticamente com base na sua inclusão, ou não, num índice, foram forçados a comprar dívida da República, após a referida subida do rating. Só que, com as compras de dívida pública pelo BCE, no âmbito do seu programa de expansão quantitativa, e a redução do défice público, a procura de dívida pública é superior à oferta, de que tende a resultar uma subida do preço dos títulos da dívida pública e, por conseguinte, uma queda da taxa de juro, que se move na razão inversa.

Mas como se compreende, por exemplo, que a taxa de juro a dez anos da República seja de 1,67% quando, por exemplo, a taxa de juro a dez anos dos EUA esteja numa tendência de subida, aproximando-se dos 3%? E que as ondas de choque da subida da taxa de juro dos EUA, que aparentam ter chegado à Argentina  e a Hong Kong, deixem a República Portuguesa incólume, ou melhor, indiferente?

Aumentar

O gráfico acima que representa o diferencial ("spread") entre as taxas de juro a dez anos da dívida da República Portuguesa (PT) e da Alemanha (DE), bem como o diferencial entre a dívida da República Portuguesa e a dos EUA, mostra que o spread tem vindo a cair, apesar de as taxas de juro da Alemanha e dos EUA terem vindo a aumentar recentemente. No entanto, o spread que actualmente se observa entre a dívida de Portugal e da Alemanha é ainda muito superior ao que se verificava entre 1997 e 2010.

Por conseguinte, é de depreender que a evolução observada, ainda que se possa relacionar com a alegada credibilidade do Governo, se deve muito a "manias" ou comportamento em grupo de investidores, nomeadamente em reacção a decisões de agências de rating.

Explicando por outras palavras, controlamos menos o nosso destino do que gostamos de acreditar. Há linhas de tendência mais "poderosas" que movem os mercados, nomeadamente, as políticas de expansão quantitativa e monetária do BCE, a relação entre procura e oferta e "last but not least", os "animal spirits" de que falava Keynes.

Por conseguinte, o Governo talvez exagere ao acreditar que é a credibilidade que ganhou com a boa execução orçamental em 2016 e 2017 que explica a redução das taxas de juro e mais ainda ao pensar que algumas décimas de consolidação orçamental adicional farão toda a diferença.

Alongar ou não alongar maturidades…

O antigo responsável pelo IGCP, Moreira Rato, num artigo de opinião no PÚBLICO, defende que Portugal tem, face às actuais taxas de juro, uma oportunidade única para alongar maturidades e assim reduzir a longo prazo a taxa de juro implícita média da dívida da República. A actual presidente do IGCP, Cristina Casalinho, parece partilhar essa preferência.

A taxa de juro da República aumenta com a maturidade (duração) das Obrigações do Tesouro. Portugal financia-se no presente a uma taxa de juro a cinco anos de 0,59%, a dez anos a 1,67%, a 15 anos a 1,96% e a 30 anos a 2,72%. Portugal é um dos países da zona euro com maturidade média da dívida das mais elevadas.

Na sequência do relatório do Grupo de Trabalho (GT) sobre a Sustentabilidade das Dívidas Externa e Pública, a maturidade média da dívida da República diminuiu marginalmente, contudo muito menos do que o defendido pelo Grupo de Trabalho. Não obstante, a maturidade média da dívida emitida em 2016 e em 2017 foi reduzida de 8,8 anos para 7,8 anos. E parecem ter sido adoptadas algumas medidas recomendadas pelo GT, como o pagamento antecipado ao FMI, a redução da dimensão da "almofada financeira" e uma maior centralização da gestão da "almofada financeira" no IGCP, com organismos da Administração Central a aumentarem os seus depósitos junto do IGCP em 5,8 mil milhões de euros em 2017.

Mas no ano corrente, a maturidade média da dívida de médio e de longo prazo emitida parece ter aumentado significativamente.

Em 2018, o Estado financiou-se em 9,6 mil milhões de euros, através de emissões de quatro séries de Obrigações do Tesouro (em quatro leilões e duas operações sindicadas), com uma maturidade média de 12,7 anos. Outras operações de "recompra de dívida" de pequena dimensão terão sido realizadas com maturidades inferiores. Contudo, parece certo que o Governo e o IGCP estão a aproveitar a redução das taxas de juro nos mercados para aumentar a maturidade média da dívida Portuguesa.

Seria bom que essa opção fosse explicada e fundamentada publicamente, em particular, à Assembleia da República. Essa opção não deve ser o resultado das preferências e da aversão ao risco por parte dos responsáveis do IGCP, porque onera as contas públicas. Tem de ser uma opção fundamentada, com análise dos benefícios e dos custos.

De facto, em 2017, as emissões de dívida de médio e de longo prazo fizeram-se com uma maturidade média de 7,8 anos. Em 2018, a maturidade das emissões será bastante superior. Se for de 11 anos, a despesa com juros continuará a diminuir, mas seria mesmo assim cerca de 50 milhões de euros por ano superior ao que seria se o Governo tivesse mantido as emissões de dívida em 2018 com uma maturidade média de 7,8 anos.

O fundamental, afigura-se, é aproveitar o programa de expansão quantitativa do BCE e o consequente momento favorável nos mercados financeiros, para baixar o mais rapidamente possível a taxa de juro implícita média da dívida e, em resultado, o peso da despesa com juros em percentagem do PIB. A diminuição da taxa de juro implícita média da dívida tem um reflexo favorável na dinâmica de sustentabilidade da dívida e nas contas externas do país.

O objectivo deveria ser reduzir o peso da despesa com juros para um nível próximo de 2,5% do PIB, cerca de metade do registado em 2013 e cerca de dois terços do registado em 2017.