Há 13 anos que agricultores de Serpa esperam que a autarquia cumpra a sua palavra

Cederam terreno “de borla” para instalar uma nova estrada com a garantia de que teriam uma vedação ao longo do traçado, mas apenas foram colocados “paus com arame esticado à mão”.

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Decorria o ano de 2004 quando a Câmara de Serpa anunciou o seu propósito de construir uma estrada transfronteiriça que ligaria Serpa à vila espanhola de Paymogo, na província de Huelva, e de uma ponte sobre a ribeira do Chança, afluente do Guadiana. O traçado da nova via de comunicação entre os dois países teria de atravessar dezenas de hectares de terras particulares na serra de S. Marcos, onde se pratica a pecuária extensiva. Condicionado por dificuldades financeiras, o então presidente da Câmara de Serpa, João Rocha, decidiu reunir-se com os proprietários das terras por onde passaria a nova via. E prometeu-lhes algo que nunca foi cumprido.

Um dos agricultores que estiveram presentes, António Manuel Lúcio, relatou ao PÚBLICO como o autarca colocou a questão: “A gente tem a estrada para fazer, mas não temos dinheiro para pagar as indemnizações que um processo de expropriação implica. [Assim sendo,] vocês dão o terreno de borla e nós colocamos novas vedações ao longo do traçado da nova estrada e cedemos uma estrada antiga para os agricultores usufruírem desses terrenos para as suas culturas.” A proposta foi aceite pelos proprietários, que disponibilizaram a terra necessária para instalar o novo traçado sem cobrar um tostão.

Fez-se a estrada e a ponte, que foram inaugurados em 2012, mas os compromissos assumidos pela Câmara de Serpa estão por cumprir. “Apenas puseram uns paus com arame esticado à mão”, enquanto o terreno da antiga estrada, que é arável, continua sem ser lavrado, sublinha António Lúcio. Acrescenta que em Espanha a vedação está devidamente colocada desde Paymogo até ao rio Chança numa distância de sete quilómetros. Em Portugal terá de ter 11 quilómetros.

“Queriam inaugurar a estrada à pressa”, recorda o agricultor, mas um dos proprietários, face ao incumprimento da autarquia, proibiu a passagem até que o seu terreno fosse vedado. A abertura da estrada ao tráfego foi adiada até que a reivindicação do  proprietário foi satisfeita. Mas outros — a estrada atravessa cinco explorações agrícolas — não tiveram a mesma resposta.

António Alves Martins tem uma exploração com 70 hectares e diz que, para além dele, também o seu cunhado está a ser lesado. Para lá da terra necessária à construção da estrada, abdicaram “de parte de um terreno para construírem uma charca”, onde era armazenada a água necessária às obras.

Na sequência dos constantes protestos, a câmara decidiu colocar uma rede que “bandeia toda como um chocalho”, refere António Lúcio, enquanto demonstra ao PÚBLICO como os animais podem passar entre os arames da vedação. “A segurança é zero”, argumenta, frisando que o gado (ovino e caprino) atravessa o aramado e vai para a estrada. Quando tal acontece e se “houver um acidente com uma viatura, o dono do animal é que paga”, salienta o agricultor.

Este é o maior problema que motiva os agricultores a exigir uma vedação mais segura. Porém, o tempo vem passando e as promessas por cumprir, apesar de periodicamente alguns dos proprietários serem recebidos no município onde recebem a garantia de que os arranjos na vedação irão iniciar-se “o mais imediato possível”. A última tentativa para superar o contencioso teve lugar em Setembro de 2017, no período das eleições autárquicas.

Sempre nos disseram que tudo será arranjado no imediato, referem os agricultores em comunicado que fizerem chegar à câmara nos últimos dias. “Mas a resposta tarda e o nosso gado passa com frequência para a estrada pelos aramados deteriorados”, acrescentam, dando conta da sua sorte por até agora não ter acontecido nenhum desastre. 

O PÚBLICO confrontou Tomé Pires, presidente da câmara, com as reivindicações dos agricultores de São Marcos. O autarca confirma ter recebido o comunicado e disse que vai agendar uma visita ao local para se inteirar da dimensão do problema. Contudo, lamenta não existir nenhum documento escrito que pudesse confirmar os compromissos assumidos pela autarquia no tempo do seu antecessor, João Rocha. “Foram compromissos verbais”, adianta António Lúcio, acrescentando que todos os envolvidos confiaram na palavra e nas garantias que foram dadas pelos responsáveis do município.

A ligação transfronteiriça entre Serpa e Paymogo foi iniciada, do lado português, em 2005 com o alargamento e repavimentação do caminho municipal que liga Cruz da Cigana a São Marcos e deste à ribeira do Chança, numa extensão de mais de 10km.  A construção da ponte, adjudicada em 2006, representou um investimento de 2,3 milhões de euros. As obras tiveram um custo final de quase 5,7 milhões de euros, financiado em 75% por fundos comunitários.

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