Artigo 65º

Garantir o direito à Habitação será mesmo uma das medidas de âmbito social mais determinantes para a construção de uma sociedade de bem-estar

Quarenta e quatro anos depois do 25 de Abril, o Governo prepara-se para dar um passo determinante na construção democrática de uma sociedade de bem-estar para todos. O primeiro-ministro, António Costa, anunciou segunda-feira e levou ao Conselho de Ministros de quinta um pacote legislativo que tem por objectivo instituir e regular uma política pública de habitação. António Costa propõe-se, assim, cumprir o Artigo 65.º da Constituição portuguesa, “velha” de 42 anos, e que até hoje foi ignorado pelo poder político-institucional, que se limitou a criar habitação social, cumprindo a vertente assistencialista do pressuposto constitucional.

O primeiro-ministro fá-lo em simultâneo com a apresentação pelo grupo parlamentar do PS na Assembleia da República de um projecto de lei de bases da habitação que foi preparado, em coordenação com o Governo, pela deputada Helena Roseta, personalidade que há mais de uma década se tem dedicado a esta causa, tendo mesmo criado, em 2005, um movimento cívico simbolicamente chamado “Plataforma Artigo 65.º”, antes de se candidatar como independente à Câmara Municipal de Lisboa, em 2007. O debate vai iniciar-se e terá forçosamente de ser longo, alargado e abrangente, mas, como o Presidente da República sublinhou, tem condições de terminar com sucesso antes do fim da legislatura.

O director do PÚBLICO, David Dinis, escreveu em editorial, que com esta decisão “o Governo tomou a iniciativa e propôs-nos uma reforma de fundo”, sublinhando poder vir a ser esta a medida mais decisiva do Governo de António Costa. Permito-me acrescentar que será mesmo uma das medidas de âmbito social mais determinantes para a construção de uma sociedade de bem-estar em Portugal dos últimos governos. Expliquemos porquê.

O Artigo 65.º da Constituição refere-se expressamente a “Habitação e urbanismo” e no seu ponto 1 afirma: “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.” E determina, no ponto 2, que “para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social”.

A Constituição pormenoriza como deve o Estado cumprir este objectivo. Indica que deve “promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais” — o único que tem sido cumprido. Mas a Constituição é clara também no que deve ser a acção do Estado na regulação do mercado em relação à habitação, ao determinar que ele deve “estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada” e que “o Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria”.

Com as medidas a que chama Nova Geração de Políticas de Habitação, o Governo propõe-se finalmente cumprir estes dois aspectos essenciais. Isto, porque não se limita a criar novas soluções ao nível da satisfação da habitação social para as pessoas com mais baixos ou sem rendimentos. Cumprindo a Constituição, António Costa avança com medidas que vão regular o mercado da habitação e limitar a lei da selva da concorrência de mercado que impera em Portugal neste sector. Mas também cria regras claras que respondem às necessidades habitacionais de larga maioria da população, através de soluções concretas para a chamada “classe média” (rendas acessíveis e incentivos à estabilidade dos contratos). E este segundo aspecto do Artigo 65.º, há 42 anos por cumprir, é fundamental para que Portugal seja uma democracia plena e uma sociedade de bem-estar. Para todos.

Obrigada, Helena Roseta, por não ter deixado cair esta bandeira!

Sugerir correcção
Ler 2 comentários