Pelo SNS... eu “não” sou Centeno

A nova estrutura de missão para controlar as contas da saúde é o marco mais evidente da subjugação da política do Ministério do Saúde ao das Finanças.

O Serviço Nacional de Saúde foi concebido para garantir equidade no acesso à saúde, para se dispensarem os melhores cuidados de saúde aos cidadãos portugueses, com os seus custos suportados pelas contribuições de todos. Diz-se que foi um dos maiores avanços civilizacionais em Portugal no século XX e que é um dos principais factores de coesão da nossa sociedade. Quando se pensa em prioridades, a saúde é a primeira ou das primeiras expressas pelos portugueses.

No entanto, é uma área que, agora já muitos reconhecem, está cronicamente subfinanciada. Actualmente, a dívida real da saúde ascenderá a mais de dois mil milhões de euros, com a dívida vencida a situar-se nos 1,4 mil milhões de euros. Cortaram-se quase todas as “gorduras”, eventualmente até se cortou para lá do desperdício. Existem hospitais que estão em insolvência técnica, que não podem assinar contratos de gestão básica porque não têm fundos disponíveis que assegurem a despesa prevista. Este facto condiciona, ainda, o não se realizarem investimentos na manutenção ou remodelação das estruturas e a incapacidade de realizar a necessária renovação do material pesado das unidades de saúde. Mesmo assim, conclui-se, por estes dias, que apenas três hospitais não pioraram as suas contas em 2017.

E o ministro da Saúde (MS) vem admitir que haja má gestão na saúde. Má gestão concretizada pelos gestores que ele mesmo nomeia e pelos quais é o responsável máximo. Neste momento existe um número elevado de unidades de saúde em que os seus conselhos de administração já terminaram o mandato no início deste ano, existe mesmo um na região norte que já terminou o seu mandato em Janeiro de 2017, e o MS ainda não nomeou novos responsáveis, trazendo constrangimentos evidentes a essa governação.

E o MS vem admitir que foi ideia dele a criação de uma estrutura de missão para controlar as contas no sector, sediada no âmbito do Ministério das Finanças (MF), quando passou mais de uma semana sobre o conhecimento do anúncio desta estrutura, que foi vinculada pelo MF e que se sobrepõe aos objectivos da já existente Administração Central dos Serviços de Saúde. Esta estrutura vem ser o marco mais evidente da subjugação da política do MS ao MF, a que se podia somar o atraso no pagamento da dívida vencida através da verba de 500 milhões disponibilizada em Janeiro deste ano, mais o atraso na abertura do concurso para jovens especialistas para os hospitais (cujo diploma foi atrasado pela falta de assinatura do MF), mais o anúncio de vários financiamentos a unidades de saúde que não foram concretizados (veja-se, por ex., o TAC prometido ao Hospital de Barcelos há mais de um ano).

E, não querendo abordar apenas a vertente financeira, o SNS hospitalar continua, no seu funcionamento, a ser uma desordem. Os serviços de urgência e os de Medicina Interna estão, na generalidade e quotidianamente, sobrelotados, pelo que qualquer pequeno surto de gripe causa um estado caótico, que coloca em causa a qualidade dos cuidados que são prestados, a saúde de quem a ele acorre e os níveis de burnout de todos os profissionais de saúde. Estes encontram-se esgotados, desanimados e desconfiados de tudo o que o MS promete, espelhando-se esse descontentamento na profusa onda de greves dos vários sectores profissionais.

O MS tem a obrigação de se lembrar que o SNS existe para os cidadãos e é composto por profissionais que são, também eles, cidadãos. O MS tem a obrigação de salvaguardar a existência e a “saúde” do SNS, de exigir do MF o orçamento adequado e em tempo útil que garanta a sua sustentabilidade. Pois se a saúde não tem preço, a doença tem um custo e esse deve ser garantido pelo Estado através do nosso SNS.

Por isso, tal como milhares de outros portugueses, profundamente preocupados com o estado da nossa “saúde”, eu hoje “não” sou Centeno!

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