Parlamento quer medidas de acção afirmativa para afrodescendentes

Bloco de Esquerda apresentou proposta aprovada por unanimidade nesta sexta-feira pela esquerda e pela direita onde defende que é preciso o Governo criar políticas públicas para combater o racismo. Quer que se assuma o compromisso decretado pela ONU sobre a Década Internacional de Afrodescendentes.

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bruno lisita

O Parlamento aprovou nesta sexta-feira um projecto do Bloco de Esquerda (BE) que recomenda ao Governo a adopção de medidas de acção afirmativa para afrodescendentes. Ou seja, os partidos, à esquerda e à direita, querem que se desenvolvam programas específicos para afrodescendentes de modo a garantir a igualdade de oportunidades no emprego, na educação, na habitação ou na saúde.

Esta será a primeira vez, segundo o BE, que há uma recomendação do Parlamento ao Governo português para criar medidas de acção afirmativas para afrodescendentes, tradução de affirmative action, políticas que começaram a ser implementadas nos anos 1960 nos Estados Unidos para combater a discriminação e desigualdade racial.

Segundo o deputado do BE José Manuel Pureza foi uma proposta que recebeu unanimidade entre todos os partidos presentes na discussão parlamentar de quarta-feira e que hoje mereceu o voto favorável. Nesse debate inicial foi salientado que, além da adopção de medidas, é importante o Governo prestar contas pela sua implementação e o Parlamento fiscalizar essa execução.

Em que consistem concretamente essas medidas o documento não especifica. Isto porque a ideia é ter primeiro uma base de consenso para se poder avançar, explicou o deputado do BE ao PÚBLICO. “Sendo uma recomendação de carácter geral deve ser o Governo a identificar essas medidas”, disse.

No documento, defende-se que é necessário alocar os recursos a “políticas públicas transversais”. “Em Portugal os cidadãos africanos e afrodescendentes continuam a enfrentar barreiras de todo o tipo que resultam de preconceitos e discriminações raciais, económicas e sociais bastante enraizadas na sociedade assim como nas instituições públicas e privadas”, descreve-se. A situação “de marginalização dos afrodescendentes reflecte-se no insucesso escolar, no encaminhamento tácito dos jovens afrodescendentes para as vias profissionalizantes no trajecto escolar, na sobre-representação de afrodescendentes na população reclusa, na sua quase ausência na academia, na invisibilidade em termos de representação política, na sujeição a práticas de abuso da violência policial, na estigmatização e na guetização espacial no acesso à habitação, na fragilidade económica e numa acentuada prevalência da precariedade laboral”, continuam. 

Portugal assumiu compromissos

O Parlamento sugere ainda que o Governo assuma o compromisso de implementar as medidas recomendadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) no quadro da Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024), para o qual Portugal ainda não apresentou nenhum programa – tendo sido criticado por isso numa reunião internacional recente em Genebra.

No documento defende-se que a Década é “uma oportunidade para que o Estado Português honre os seus compromissos internacionais respeitando as recomendações que constam do seu plano de acção”. Isto porque, enumera, todas as recomendações e relatórios nacionais e internacionais apontam que as condições políticas, económicas e sociais de desigualdade em Portugal “podem originar e alimentar a discriminação racial”, exacerbando-as. Refere também que, se não forem denunciadas e combatidas, nomeadamente a nível institucional, as desigualdades “podem constituir um factor que encoraja a sua perpetuação”.

Recentemente os deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias mostraram-se preocupados com a violência policial e abusos na prisão denunciadas no último relatório do Comité Anti-Tortura do Conselho da Europa. O BE diz ainda que “a resistência e os obstáculos que se colocam ao desafio da eliminação da discriminação racial” devem-se à prevalência de atitudes e estereótipos racistas na sociedade, “a um quadro jurídico manifestamente insuficiente” e “a uma ausência de orientação política estratégica para a elaboração e aplicação de medidas concretas por parte do Estado”.

Revisão dos manuais escolares

A invisibilidade da Década Internacional de Afrodescendentes em Portugal já foi criticada por diversas vezes interna e externamente. Uma das recomendações feitas pela ONU através do Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial, foi justamente a adopção de medidas que passam pela aplicação de políticas específicas para combater o racismo com várias acções, incluindo a revisão dos manuais escolares de modo a garantir-se que a escravatura e o colonialismo são retratados de forma rigorosa e não discriminatória.

Também foi recomendada pela mesma instituição a recolha de dados estatísticos sobre a população afrodescendente, algo que tem estado sistematicamente na agenda da ONU e de grupos activistas que o têm reivindicado em Portugal. Só recentemente é que o Governo constituiu um grupo de trabalho que está a discutir a inclusão, no Censos 2021, de uma pergunta que permita aferir a composição étnico-racial da população.  

Sob o lema “Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”, a ONU aprovou a resolução sobre a Década em 2013.

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