Illiabum ergue a taça num brinde à realidade

Equipa de Ílhavo ainda mal despertou do sonho e já tem o Benfica à porta para o arranque da segunda fase da Liga.

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José Coelho/Lusa

O Illiabum e Ílhavo ainda não acordaram verdadeiramente do sonho da conquista histórica da primeira Taça de Portugal em basquetebol e já têm que lidar com a dura chamada ao mundo real. Quis o sorteio da segunda fase regular que os dois finalistas se encontrem logo na primeira ronda do play-off de apuramento do campeão (Grupo A), esta noite, em Ílhavo, impondo a visão pragmática vincada pela tese defendida por alguns dos heróis de Braga, especialmente quando, um pouco contra o espírito festivo, alertaram para desafios futuros, denunciando o cunho efémero das conquistas.

Nesta luta entre a razão e o coração há, apesar de qualquer doutrina, algo que marca de forma indelével a história da modalidade e as gentes de Ílhavo, que num segundo estavam fora das meias-finais e no segundo seguinte relançavam os dados rumo à glória.

Carlos Cardoso, base de 20 anos, um dos quatro internacionais sub-20 do Illiabum, garantiu nessa fracção ínfima de um sonho o respectivo lugar na história do clube. O triplo na última badalada da primeira meia-final, a igualar o jogo a 82 pontos frente ao Galitos, e os últimos três minutos do prolongamento, em que o Illiabum transformou uma sentença (81-70) num incrível 93-100, confirmam o carácter dos jovens da equipa-sensação e de um em especial: alguém que o treinador, Pedro Nuno, definiu recorrendo a expressão prosaica como um miúdo de enorme coragem.

“Quando me disse que gostava de assumir os últimos ‘tiros’ não o levei muito a sério. Mas nos treinos percebi que a elevada percentagem que mostra se explica com uma característica inata”, avaliou o técnico, referindo-se a algo que não se baseia em estatísticas e que pode decidir as finais.

Litos, como é conhecido, não se deixa inebriar pela notoriedade, até porque já sofreu na pele o reverso desta medalha, quando falhou um triplo que podia determinar a subida de divisão da selecção sub-20. “Gosto de assumir. É algo que desenvolvi no Vasco da Gama. Mas já sofri muito por falhar num momento importante”, recorda ao PÚBLICO, recuando a Julho de 2017, aos quartos-de-final do Europeu sub-20 da Divisão B, na Roménia, jogo em que Carlos Cardoso marcou 14 pontos, ganhou 5 ressaltos e fez 4 assistências frente à selecção que acabaria por vencer a competição.

“Perdíamos por 59-57 a 20 segundos do fim. A quatro segundos de terminar lancei um triplo que nos colocava nas meias-finais, em posição de subida de divisão. Foi um sentimento muito mau, mesmo que ninguém me tenha cobrado nada. Agora, na Taça de Portugal lembrei-me desse momento. Felizmente converti o triplo nas meias-finais. No prolongamento fiz mais três triplos e marquei 11 pontos consecutivos. Isso deu-me muita confiança para a final”, reconheceu.

Carlos Cardoso recorda os momentos-chave desta conquista, a começar nessa meia-final que parecia perdida ao intervalo, mas que se transformou no trampolim ideal para a superação depois da conversa, ao intervalo, que fez esquecer o cansaço e transformar as fraquezas em forças. “Foram dias extenuantes, mas na hora de jogar não havia dores. Era só união, espírito de sacrifício e muita luta. O treinador lembrou-nos que só podíamos competir com equipas fisicamente mais fortes e com melhores valores individuais se nos superássemos e quiséssemos vencer mais do que ninguém. E foi o que aconteceu”, revelou, apesar de já na semana anterior, na Luz, ter ficado uma sensação de que era possível fazer história.

“Perdemos no último jogo da fase regular, mas fizemos 95 pontos ao Benfica. Foi um bom jogo, que nos deixou com aquele sentimento de que tudo era possível. Na final, entrámos muito bem e conquistámos uma vantagem importante, de 22 pontos, ao intervalo. Aí sentimos que estávamos perto. Mas quando o Benfica reduziu a diferença para quatro pontos via-se bem o medo na cara dos nossos jogadores. Sentimos muito medo, mas conseguimos, graças a uma grande exibição, com um Jeffrey tremendo. Numa semana conseguimos o acesso à Final 8 e conquistámos a Taça de Portugal”.

Agora, de volta ao campeonato, no arranque da segunda etapa da fase regular, já há mais quem acredite em nova proeza. “No início da época entrámos muito fortes: vencemos no Dragão e nos dois jogos seguintes. Claro que tínhamos três jogadores importantes que saíram no Natal. Por outro lado, o Benfica quer marcar posição. Vem avisado e está com o orgulho ferido. Mas acima de tudo empenhado em não tropeçar no campeonato. A nós compete-nos dar o melhor e continuar a querer vencer mais do que o adversário”.

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Superar o detentor do troféu em condições extremas, ser recebido pela cidade à boleia do carro dos “soldados da paz”, ouvir o discurso do líder autárquico em cerimónia inédita e ainda ter que preparar o regresso à Liga frente ao líder da fase regular pode parecer brincadeira de gosto duvidoso. Mas para quem ergueu a maior taça da história do clube – quebrando a hegemonia de Benfica (vencedor das quatro finais anteriores) – depois de reconstruir uma equipa, de apelar a todas as forças numa final a 8 - quatro jogos em três dias – e de cinco semanas a treinar com um grupo de apenas seis jogadores sem perder a motivação, encarar o destino é apenas mais um passeio no parque.

Pedro Novo, presidente do Illiabum, tinha avisado no início da época que não esperassem o título de campeão. As diferenças são abissais entre o que assume ser um clube com o orçamento mais baixo e os crónicos campeões.

O treinador Pedro Nuno tinha defendido que o caminho da profissionalização depende do investimento, pelo que compete às colectividades com menos recursos encontrar os meios que as aproximem do topo. O festival de marisco promovido todos os anos para atrair alguns apoios é apenas um ponto de partida.

Esta vitória terá que ser, por isso, devidamente capitalizada para impulsionar um clube que se afirma essencialmente pela formação. Recuperar os tempos áureos é ainda um desejo inconfessável. Apesar do pico de visibilidade produzido pela conquista da Taça de Portugal, o impacto pretendido em matéria de apoios e patrocínios é ainda imperceptível. Imediato só mesmo o reflexo nas bilheteiras. Esta noite deve garantir casa cheia no Pavilhão Municipal Capitão Adriano Nordeste, como aconteceria mesmo sem a vitória de Braga.

“Fomos felicitados por muitas pessoas e instituições, entre os quais patrocinadores. Mas os tempos não são fáceis. Um dos nossos patrocinadores, a Moviflor, viu a fábrica destruída pelo fogo em Outubro e ainda não foi possível restabelecer a normalidade”, lamenta Pedro Novo, presidente do clube.

“Estar inserido nesta região, um meio de grandes tradições no basquetebol, acaba por dispersar os apoios. Todos disputam os mesmos patrocinadores, num tecido empresarial sem as verdadeiramente grandes empresas, pelo que acabamos a bater sempre às mesmas portas. Portanto, há que enfrentar a realidade e continuar a batalhar. A Taça de Portugal pode ser mais um trunfo, mas ainda é cedo para conclusões definitivas”, assume um líder orgulhoso da conquista, mas consciente da realidade.

“As contas não diminuem só porque vencemos a taça. Depois da festa, voltou tudo ao normal. Ganhámos notoriedade, algum mediatismo, mas não deixámos de ser uma equipa jovem com um orçamento reduzido”, sustenta o dirigente, sem recear uma fasquia desajustada em termos de expectativa. “Os adeptos têm a noção perfeita da nossa realidade. É óbvio que ninguém anda aqui para perder, mas temos aspirações comedidas. Sabemos que os três primeiros lugares são praticamente inalcançáveis, mas podemos lutar por uma quarta posição. Nesse aspecto, a Taça de Portugal não muda nada, só reforça as nossas convicções”.

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