“Volta Hitler, estás perdoado”

Associações ciganas entregam hoje na Comissão Contra a Discriminação Racial mais de uma centena de queixas

Quinhentos anos não chegaram para integrar uma minoria de cidadãos portugueses que, de acordo com diferentes fontes, tanto pode oscilar entre 20 mil como 100 mil pessoas. Mas dois dias bastaram para que um colectivo de associações ciganas recolhesse centenas de comentários odiosos publicados nas redes sociais acerca desta minoria. Grande parte dos comentários de ódio, à semelhança do título deste editorial, foi descarregada após um tornado que destruiu dois acampamentos em Faro, o que só torna o cenário ainda mais hediondo.

Olhamos os ciganos como se eles fossem homogéneos; como se fossem todos iguais. Não há outro grupo de cidadãos que seja alvo de generalizações tão ofensivas e estereotipadas. Todas as generalizações são um perigo e não podemos confundir a praga das caixas de comentário nas redes sociais com o género humano. Nem sequer diabolizar as redes sociais pelo uso que delas fazem quem anda à procura de um bode expiatório, na ausência de imigrantes e refugiados, para os apresentar como um perigo à nossa homogeneidade. Mas o que nelas se diz é bastante relevante e tem um nome: ciganofobia.

As redes sociais contribuíram para que um grupo de associações se juntasse no acto cívico de denúncia de uma descriminação que é tão real como invisível. Ou, por exemplo, para que a actriz Maria Gil tomasse consciência de que é mulher e cigana e feminista. O crescimento de um activismo cigano que represente esta minoria e que denuncie a ciganofobia junto da Comissão Contra a Discriminação Racial, à qual vão entregar hoje uma centena de queixas, é mais do que saudável. Os resultados de medidas de integração social, sejam elas de escolaridade obrigatória, realojamento ou Rendimento Social de Inserção, não chegam para acabar com 500 anos de estereótipos e para impor uma relação de alteridade entre ciganos e payos (pessoas que não são ciganas). Mas são elas que mais ajudam a criar condições para que as crianças ciganas frequentem creches e jardins de infância, para que o absentismo e o abandono escolar se reduza, para que os jovens concluam a escolaridade obrigatória; ou para que as mulheres se emancipem e lutem pela igualdade de género. O exercício de cidadania destas associações é um primeiro passo para que este grupo, como qualquer outro na sociedade portuguesa, troque a passividade pela exigência de direitos sociais e a melhoria das condições de vida.

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