Todos querem viver para sempre, mas ninguém quer envelhecer... mal

As pessoas não querem apenas viver mais tempo, querem viver mais e com melhor qualidade de vida.

O biólogo director da fundação SENS (Strategies for Engineered Negligible Senescence Research Foundation), Aubrey de Grey, poderia ser visto como um dos cientistas mais radicais do mundo. Numa TED Talk de 20 minutos intitulada “Um guia para acabar com o envelhecimento”, explica de forma muito eloquente como o envelhecimento pode ser visto como uma doença que, tal como a febre tifoide ou a malária, pode vir a ser completamente erradicada. Os biólogos que trabalham no instituto SENS acreditam que o corpo envelhece de diferentes formas, de acordo com factores genéticos e ambientais. Pequenos erros começam a surgir nas nossas células e no nosso ADN, que se traduzem em falhas de desenvolvimento e eventualmente em danos em diferentes tecidos do nosso corpo, resultando em maior ou menor incapacidade e doença.

De acordo com uma entrevista de Aubrey de Grey ao website BBC Future intitulado “Tomorrow world’s podcast: your big questions about the world answered”, a grande ideia seria criar um conjunto de terapias que consigam reverter o envelhecimento, de modo a que uma pessoa de 60 anos se sentisse fisica e mentalmente semelhante a uma pessoa de 30 anos mas “sem apagar as suas memórias”. Embora pareçam histórias retiradas de um filme de ficção científica, o certo é que estas ideias estão de facto a ser alvo de um grande investimento e influenciam muita investigação neste domínio (veja-se a este propósito o laboratório anti-envelhecimento Calico, apoiado pela Google).

Pensando que a ciência vai evoluir neste sentido e que, de facto, poderá haver a possibilidade de viver para sempre, há uma questão importante que se coloca: nós queremos viver para sempre? Desde a antiguidade que a resposta parece ser afirmativa. Já as lendas do Rei Artur falavam de histórias sobre a busca do Santo Graal e prometiam uma vida imortal e saudável àqueles que bebessem dessa taça maravilhosa. Se pensarmos bem, esse desejo não desapareceu e hoje talvez esteja mais vivo do que nunca.

Um facto inabalável é o de que temos vindo de forma quase fantástica a aumentar a nossa longevidade. De acordo com dados da OCDE, se um português nascido em 1920 tinha, em média, uma esperança de vida de 36 anos, os últimos dados apontam para um aumento de esperança média de vida até aos 80 anos, ou seja, um aumento de cerca de 40 anos. Era o que queríamos e aparentemente conseguimos. Mas será esta a história completa sobre a conquista de anos de vida?

Na realidade, não interessa apenas “ganhar anos à vida” mas sobretudo “dar vida aos anos que vivemos”. Um indicador fundamental para analisar a questão do envelhecimento tem a ver com a esperança média de vida saudável, ou seja, os anos que passamos sem incapacidade. E aqui as últimas estatísticas não são favoráveis a Portugal. Dados divulgados na Pordata mostram que os portugueses perderam anos de vida saudável face aos anos anteriores. Se em 2012, um homem português podia viver sem grandes limitações de saúde mais dez anos após os 65 (acima dos 8,5 anos médios da União Europeia), este valor baixou para sete anos em 2015 (abaixo dos 9,4 da média da UE). A situação é ainda pior para as mulheres, já que passaram de uma esperança média de vida saudável de nove anos em 2012 (acima dos 8,5 anos da média da UE) para apenas cinco anos em 2015 (abaixo da média europeia de 9,4 anos).

Estes dados são muito preocupantes e mostram-nos que é necessário repensar o envelhecimento de uma forma séria. As pessoas não querem apenas viver mais tempo, querem viver mais e com melhor qualidade de vida. Num estudo realizado numa amostra representativa de 1631 indivíduos adultos americanos perguntou-se “Até que idade gostaria de viver?”. Apenas 17% dos inquiridos indicaram que gostariam de viver menos de 80 anos e 26% referiram que gostariam de viver mais de 100 anos. Este estudo revelou que a quantidade de anos que as pessoas queriam viver depende das suas expectativas face a esse envelhecimento. Os resultados científicos mostram aquilo que esperamos em termos intuitivos: as pessoas que têm expectativas mais positivas sobre o seu envelhecimento são aquelas que querem viver mais. Infelizmente, um outro inquérito a 2330 adultos americanos, realizado numa parceria entre a revista Time e o Stanford Center for Longevity, revelou que a maioria das pessoas quer de facto viver mais do que 90 a 100 anos, mas que a maioria não faz qualquer tipo de preparação para isso. Por exemplo, mais de 40% diz que não terá os meios financeiros suficientes para sobreviver no futuro e apenas 25% refere que se alimenta e se exercita de uma forma adequada. De acordo com o investigador que o conduziu, “a surpresa do estudo não é que as pessoas queiram viver para além dos 100 anos, mas sim o quão pouco fazem para se prepararem para essa eventualidade”.

Numa sociedade onde se espera que uma grande percentagem das pessoas venha a ser idosa num futuro próximo é absolutamente necessário preparar e prevenir. Não podemos continuar a ter uma postura meramente remediativa face a esta questão, como se subitamente tivessemos sido apanhados no meio deste turbilhão que é o envelhecimento demográfico.

Têm sido feitos esforços neste sentido na nossa sociedade. Recentemente foi publicada a Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável, que estará em vigor até 2025. Este relatório está em linha com as recomendações internacionais neste domínio e contém várias propostas abrangentes e que cobrem dimensões tais como a saúde, a participação social e os ambientes saudáveis. Estão também contemplados aspectos menos comuns como o combate à discriminação face à idade (ou idadismo) na sociedade em geral e nos profissionais de cuidados de saúde. Esta iniciativa é de louvar e deve ser seguida de perto nos próximos anos.

Precisamos, para além disso, de um debate público e muito participado sobre esta temática. Poderia ser fundamental a criação de um Instituto Português do Envelhecimento e da Longevidade que centralizasse as medidas que terão de ser tomadas na nossa sociedade face a este fenómeno. Não se trata de criar institutos que dêem primazia a um grupo etário em relação aos outros, nem de retirar poder à articulação entre outros organismos já existentes. Numa perspectiva de curso de vida, um instituto desta natureza teria como principal objecto de reflexão e intervenção as políticas que deverão estar na base de uma sociedade justa e mais positiva para todas as idades.

O aumento de vida da população não é um fenómeno passageiro. Os avanços da medicina e da biologia mostram que veio para ficar e que é muito provável que se alcance uma maior longevidade dentro das próximas décadas. Ao prolongar a nossa vida, a medicina moderna conseguiu um dos seus feitos mais notáveis. No entanto, estes avanços têm de ser acompanhados por um planeamento adequado e um conjunto de respostas aos novos e exigentes desafios sociais provocados pelo nosso envelhecimento. Caso contrário, de pouco servirão os avanços notáveis que fizermos na descoberta do Santo Graal e do elixir da juventude.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Cidadania Social – Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais – www.cidadaniasocial.pt

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