O CDS já é o partido de Assunção Cristas

A modernização do discurso político do CDS com Cristas não surge só nos temas civilizacionais e de direitos individuais – ela é também clara na abordagem dos novos problemas da política ocidental e mundial.

Como mudar tudo sem mexer em quase nada? A pergunta encerra o segredo da transformação que se operou no CDS nos últimos dois anos e que transformou o partido de Paulo Portas no partido de Assunção Cristas. A direcção que sai do congresso de Lamego é quase a mesma que herdou de Portas, mas, sem mexer muito nas pessoas, Cristas mudou o partido.

A novidade deste congresso ao nível da direcção é a entrada de mulheres no principal órgão de direcção política do partido, que agora ocupam um terço dos lugares que passaram de oito para dez vogais. Entram a deputada Isabel Galriça Neto, a professora universitária Raquel Vaz Pinto e a doutoranda na área da protecção de dados Graça Canto Moniz. Mas também se estreia Domingos Doutel, anterior coordenador autárquico, função que passa para João Rebelo, que permanece na comissão executiva. Continuam também os deputados Álvaro Castello-Branco, Ana Rita Bessa, Filipe Anacoreta Correia e Luís Pedro Mota Soares, bem como o ex-secretário de Estado Miguel Morais Leitão. Renovam mandato os vice-presidentes Adolfo Mesquita Nunes, Cecília Meireles e Nuno Melo.

Simbolizando o fim do partido de Portas, o ex-líder até passou a ter o estatuto de senador, sentando-se no novo senado ao lado de anteriores presidentes que ainda militam no CDS, Adriano Moreira e José Ribeiro e Castro, e outros militantes com história no partido. A mudança foi tão brutal que Portas só teve o seu nome expressamente referido nas intervenções de sábado em Lamego às oito da noite pela voz de Telmo Correia. Antes apenas Pires de Lima, ex-ministro da Economia e amigo de Portas, garantira que o CDS procedeu à substituição de “um líder muito carismático” por Assunção Cristas, uma líder que tem “afirmado uma identidade própria”.

 Numa atitude de ousadia política que pode até ser vista como despropositada para um partido das pontas do sistema parlamentar, Cristas assumiu o desafio de elevar o CDS a metas eleitorais novas em relação aos resultados das últimas décadas. Sem nunca mencionar números e dizendo apenas que quer contribuir de forma determinante para que o centro direita obtenha 116 deputados e seja maioria no Parlamento, Cristas compromete-se a ser a alternativa “às esquerdas encostadas”. Fica assim implicitamente feita a promessa de levar o CDS a níveis eleitorais superiores aos dos dois consulados de Portas, que o máximo que conseguiu foi 11,7% em 2011. Uma tarefa que pretende cumprir ganhando eleitorado à abstenção e aos outros partidos, entre eles o PSD.

Com inegável carisma e possuindo uma capacidade rara de criar empatia com as pessoas, Cristas beneficia ainda do facto de apostar num tipo de comunicação política simples e directa, que muitas vezes tem sido identificada com populismo. Um rótulo fácil, mas que pode não corresponder à verdade, já que Cristas, embora apostando na proximidade e na simplificação discursiva, não assume nunca posições radicalizadas.

É, aliás, ao nível do discurso e propostas moderadas que Cristas operou uma das mudanças centrais no CDS. De tal forma que no congresso surgiram moções de estratégia de Abel Matos Santos e o Pedro Borges de Lemos, ambos defensores de que o CDS tem de capitanear a luta pelo regresso da proibição e da penalização do aborto, pela abolição dos direitos individuais reconhecidos na lei aos gays, como uniões de facto, casamento e adopção por pessoas do mesmo sexo. E também contra a legalização da eutanásia — se bem que neste tema toda a direcção se afirme contra.

Assim, posições sobre costumes e questões civilizacionais e de direitos individuais, que são historicamente do CDS e o foram mesmo com Portas, surgem agora como de um CDS antigo, mas não do CDS de Cristas, que curiosamente se afirmou politicamente na campanha do não à despenalização do aborto no referendo de 2008, mas que tem dado liberdade de voto no Parlamento ao grupo parlamentar nas votações de temas relacionados, por exemplo, com igualdade de género — um objectivo a que a configuração da nova direcção procura atingir.

A modernização do discurso político do CDS com Cristas não surge só nos temas civilizacionais e de direitos individuais — ela é também clara na abordagem dos novos problemas da política ocidental e mundial. Estiveram no discurso de encerramento como eixos de discurso e programa para as legislativas. A saber: as consequências das alterações climáticas e a influência destas na desertificação do interior, assim como a baixa demográfica na Europa e, em Portugal, em particular, as novas políticas de preservação de recursos naturais como a água, as mudanças nas concepções de trabalho e produção introduzidas pela globalização e a necessidade de repensar as medidas de protecção e apoio às pessoas e as questões relacionadas com a regulamentação da nova economia. Neste reposicionamento e modernização do discurso programático do CDS têm sido determinante as posições públicas assumidas em entrevistas pelo vice-presidente do CDS, Adolfo Mesquita Nunes.

Ora, é precisamente Adolfo Mesquita Nunes, que foi deputado e secretário de Estado do Turismo entre 2011 e 2015 e é vereador sem pelouro na Câmara da Covilhã, que, com 40 anos, vai coordenar a equipa responsável pela elaboração do programa e na qual estão mais oito sub-45 anos, numa clara aposta de renovação geracional que foi visível em Lamego ao nível dos congressistas do CDS — da história fazem já parte em definitivo as imagens das congressistas com casacos de astrakan. Um grupo com dois independentes: Nádia Piazza, de 39 anos, natural do Paraná, no Brasil e naturalizada portuguesa, que é jurista e preside à Associação de Vítimas do Incêndio de Pedrógão, e o escritor Pedro Mexia, de 44 anos, colaborador da Casa Civil do Presidente da República, mas que tem participado na organização nas iniciativas do CDS Ouvir Portugal.

Inclui também nomes do partido como a deputada Ana Rita Bessa, de 44 anos, responsável pela ligação ao grupo parlamentar, dois membros da comissão política — Mariana França Gouveia, de 43 anos, advogada e professora na Universidade Nova, e Francisco Mendes da Silva, de 38 anos e ex-deputado. Nele estão igualmente Graça Canto Moniz, de 29 anos, doutoranda na área de protecção de dados e agora na comissão executiva, e João Moreira Pinto, de 37 anos, cirurgião pediátrico.

Conclusão: sem quase mexer na direcção com que há dois anos herdou o partido de Portas, Cristas actualizou e modernizou o discurso do CDS para os problemas do mundo de hoje. Moderando as posições do partido em questões civilizacionais e de direitos individuais, mostrando um cuidado atento ao que é o pensamento das novas gerações.

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