Coimbra lança ficha para reconhecer repúblicas de estudantes e lojas históricas

Câmara aprovou mecanismo de reconhecimento de entidades com interesse histórico. Medida já não deve ir a tempo de ajudar duas casas

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SERGIO AZENHA (colaborador)

Uma a uma. Assim vai ser o processo de classificação das repúblicas de estudantes de Coimbra. Cada casa deverá preencher um formulário para requerer à Câmara Municipal de Coimbra (CMC) o reconhecimento como entidade de interesse histórico e cultural ou social local. Este procedimento serve de auxílio a associações, a lojas históricas mas também às repúblicas, as casas de estudantes que têm vivido em sobressalto com a pressão imobiliária, e foi aprovado por unanimidade na reunião de câmara desta segunda-feira.

Isto depois de, na última semana, o PSD ter vindo acusar a autarquia de se ter “esquecido” de proteger as repúblicas ao não elaborar um regulamento municipal para o efeito, conforme o previsto na última alteração ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), em vigor desde Junho de 2017.

Apesar do sentido de voto comum, houve dúvidas na oposição. O vereador José Manuel Silva, eleito pelo movimento Somos Coimbra, perguntou se, preenchida a ficha, o município iria decidir “casuisticamente”, uma vez que não há um regulamento para servir como base. No mesmo sentido, a vereadora do PSD, Paula Pêgo, afirmou que a CMC “já devia ter criado o regulamento”.

A responsável pela pasta da administração e finanças, Regina Bento esclarece que os critérios seguidos para a classificação serão os definidos pela lei que altera o NRAU, “que dispensa regulamentos”. Segundo o diploma 42/2017, entende a vereadora, “as entidades não precisavam da câmara. A lei permite-lhes submeter a sua candidatura”. Mas a responsável admite também que tal “não estivesse muito claro”.

O vereador da CDU, Francisco Queirós, sugeriu que a CMC tivesse como base de trabalho um documento elaborado pelos serviços da autarquia em 2009 que inventaria as repúblicas e traça uma pequena história de cada uma. O presidente da CMC, Manuel Machado, rejeitou a possibilidade de recorrer a este levantamento referindo que a lista já não será actual. Pelo menos uma república, a 5 de Outubro, deixou de existir em 2013, depois de a renda ter sofrido um aumento de 6000%, de 12,5 para 764 euros mensais.

Duas casas em risco

Há pelo menos dois casos mais urgentes em que a medida camarária não terá influência. A Rapó-Taxo e os Fantasmas, repúblicas vizinhas que ocupam o mesmo imóvel. Recentemente surgiu um comprador e os repúblicos foram notificados, uma vez que têm direito de preferência. Exercido o direito, aguardam agora resposta do senhorio.

Soraia Freitas, da Rapó-Taxo, explica que a medida aprovada pelo executivo já não deve interferir no processo de venda da casa. O instrumento “já não nos irá proteger, mas esperamos que proteja as outras repúblicas”, afirmou aos jornalistas à margem da reunião de câmara.

O objectivo agora é reunir os fundos para comprar o imóvel. Serão precisos 400 mil euros para comprar o edifício que se encontra em zona classificada como património da humanidade pela UNESCO. “Precisamos de apoio de todas as entidades que nos possam ajudar. Mas não vamos perder este património. A UC já disse que nos iria apoiar” e Soraia Freitas espera que a autarquia possa também contribuir.

“Vamos ver”, diz Regina Bento, quando questionada sobre essa possibilidade. A responsável diz não conhecer “o caso concreto de cada república”, pelo que “está disponível para analisar”.

As repúblicas ajudaram a fundamentar parte da candidatura da Universidade de Coimbra a Património da Humanidade. Agora é essa mesma classificação da UNESCO que faz com que algumas delas sejam tão apetecíveis ao mercado imobiliário.

A via de compra da casa foi a seguida pelos moradores da República da Praça, que em 2015 recebeu ordem de despejo. Tiveram que deixar Praça da República, que dava o nome à casa, mas conseguiram mudar-se para outra ali perto, na rua João de Deus. Um dos moradores, Gonçalo Quitério, explica ao PÚBLICO que isto apenas foi possível em colaboração com antigos habitantes, criando “um projecto financeiro” para pedir um empréstimo bancário a 25 anos.

Das 25 repúblicas, três são propriedade do município e uma pertence à universidade. Há outras que seguiram a via da casa própria, mas a maioria continua a depender de senhorio.

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