Conglomerados financeiros ou gigantes “Titanics”?

Vários conglomerados gigantes, construídos recentemente, que apostaram numa estratégia de crescimento, através de aquisições com recurso a dívida a taxas de juro elevadas, estão a enfrentar dificuldades.

Na Europa, destaca-se o grupo Altice que controla parte da antiga Portugal Telecom. A Altice detinha 74 mil milhões de euros de activos no 3T2017, dos quais 48 mil milhões de euros de activos intangíveis e “goodwill”, 52 mil milhões de euros de dívida e capitais próprios negativos de 1,8 mil milhões de euros.

Na China, a preocupação com os problemas financeiros de alguns dos conglomerados que seguiram estratégias de crescimento através de aquisições no estrangeiro – como os grupos Anbang (311 mil milhões de dólares de activos), HNA (cerca de 160 mil milhões de dólares de activos e cerca de 100 mil milhões de dólares de dívidas) e Dalian Wanda (110 mil milhões de dólares de activos) – levou o Governo chinês a instruir recentemente a imprensa a não enfatizar aqueles problemas financeiros. O grupo Fosun, que também adquiriu muitos activos no estrangeiro, parece estar numa situação financeira mais robusta (ou menos vulnerável) que os três grupos acima, mas também foi sujeito de medidas de controlo ao endividamento por parte do Governo chinês.

O grupo HNA já falhou algumas das suas obrigações financeiras o que deveria precipitar um evento formal de incumprimento situação em que poderia estar obrigado a amortizar todas as suas dívidas imediatamente. Entretanto o conglomerado Anbang foi “nacionalizado” por um ano – i.e., o governo chinês assumiu o seu controlo por um período de um ano – tendo sido detido pelas autoridades o respectivo presidente executivo (casado com a neta do antigo presidente chinês Deng Xiaoping).

A situação da China é um caso interessante. Teoricamente, dados os elevados excedentes da balança corrente e de capital, a moeda chinesa deveria ter tendência a apreciar-se. Mas, nos últimos anos, a moeda chinesa depreciou-se, afigura-se, em resultado de enormes fugas de capital da China. Em resposta a essa situação, o governo chinês adoptou medidas drásticas, para minimizar a depreciação da moeda chinesa e a diminuição das reservas externas que, apesar dessas medidas, caíram de 4 para 3 biliões de dólares entre 2014 e 2017.

O facto é que o sistema bancário e sobretudo o sistema bancário paralelo “shadow banking”, nos quais se destacavam conglomerados que incluíam no seu core seguradoras, criaram muita moeda creditícia. Entre 2012 e 2016 estima-se que a dívida total da China tenha crescido 17 p.p. do PIB por ano, em média. Parte dessa moeda creditícia foi criada através de instrumentos financeiros como aplicações de seguro de vida que garantiam taxas de juro elevadas, em alguns casos, uma espécie de esquema de Ponzi.

Nessas situações de crescimento de crédito acelerado, é natural que sejam tomadas más decisões de investimento, algumas das quais mesmo deliberadas. Com efeito, sabe-se que em contextos de “exuberância irracional”, uma das estratégias possíveis de alguns devedores é pedir crédito que não têm a intenção de algum dia vir a pagar. Ora é mais fácil proteger esses créditos de bancos credores chineses e das autoridades chinesas, se esses activos estiverem no estrangeiro.

Alguns dos conglomerados acima referidos adquiriram posições de controlo ou minoritárias em importantes empresas nacionais, nomeadamente: em parte do antigo grupo Portugal Telecom, na TAP e no accionista que o controla – o grupo Azul –, na Fidelidade e no Millennium BCP.

Cabe às autoridades portuguesas, ao governo em particular, não facilitar nem renegociar contratos a favor desses grupos e escrutinar devidamente as transacções entre partes relacionadas. Como se compreende, por exemplo, que mais de 10% da frota da Azul (16 de 142 aviões) esteja sub-alugada à TAP?

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