Proposta de Trump sobre controlo de armas pode fracassar nos tribunais

Presidente norte-americano quer proibir um acessório que aumenta o poder de fogo de armas legais, mas os críticos dizem que é "outra forma de os Republicanos impedirem um processo legislativo no Congresso".

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No auge de mais um debate nos Estados Unidos sobre a posse de armas, após o tiroteio da semana passada numa escola secundária na Florida, o Presidente Donald Trump fez um anúncio que, à primeira vista, é um passo no sentido do reforço do controlo de armas. Para a Casa Branca, é urgente proibir a venda de dispositivos que transformem armas legais em metralhadoras – só que o caminho apontado por Trump para aprovar essa proibição já tinha sido trilhado por Barack Obama, sem sucesso, e até a agência responsável pela fiscalização de armas teme que se esteja apenas a perder tempo.

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No auge de mais um debate nos Estados Unidos sobre a posse de armas, após o tiroteio da semana passada numa escola secundária na Florida, o Presidente Donald Trump fez um anúncio que, à primeira vista, é um passo no sentido do reforço do controlo de armas. Para a Casa Branca, é urgente proibir a venda de dispositivos que transformem armas legais em metralhadoras – só que o caminho apontado por Trump para aprovar essa proibição já tinha sido trilhado por Barack Obama, sem sucesso, e até a agência responsável pela fiscalização de armas teme que se esteja apenas a perder tempo.

Em causa está uma instrução dada pelo Presidente Trump ao seu attorney general, Jeff Sessions: na qualidade de responsável pela pasta da Justiça e, ao mesmo tempo, de procurador-geral, Sessions tem agora a tarefa de apresentar "um regulamento que proíba todos os dispositivos que transformem armas legais em metralhadoras".

E o problema começa aí: seja qual for o assunto em causa, mas especialmente quando se trata de um tema que movimenta tantos interesses como o controlo de armas, é sempre mais seguro fazer mudanças nas leis, através do Congresso, do que com regulamentações aprovadas pela Casa Branca.

Estas regulamentações estão muito mais expostas à contestação nos tribunais, pelo que os críticos do anúncio do Presidente Trump dizem que seria melhor incentivar o Congresso a mudar as leis ou a aprovar uma nova lei, para não perder tempo com avanços e recuos na Justiça que se podem arrastar por vários anos.

O labirinto das definições

Em causa está o fabrico e a venda de um dispositivo conhecido nos Estados Unidos como bump stock, destinado a aumentar o poder de fogo de uma arma legal como a espingarda semiautomática AR-15 usada pelo atirador Nikolas Cruz no tiroteio da semana passada na Florida.

Apesar de se assemelhar a uma metralhadora militar, que dispara vários tiros com apenas uma pressão no gatilho, a espingarda AR-15 é semiautomática – isto é, só dispara uma bala de cada vez que se aperta o gatilho.

Mas a indústria das armas tem há anos uma solução que permite contornar a proibição da venda de armas automáticas em todo o país. Por uma soma entre os 100 dólares e as várias centenas, é possível, e legal em todos os estados norte-americanos, comprar-se um bump stock – um dispositivo que substitui a parte da arma que o atirador encosta ao ombro.

Uma vez colocado e encostado ao ombro, esse bump stock faz com que o atirador possa movimentar a parte da frente da arma para a frente e para trás muito rapidamente e, sem tirar o dedo do gatilho, disparar até 400 ou 800 balas por minuto.

Por exemplo, o homem que matou 58 pessoas e feriu outras 422 durante um concerto ao ar livre em Las Vegas, há cinco meses, chegou a disparar 90 tiros em dez segundos com a ajuda de bump stocks colocados nas dezenas de armas que disparou a partir do seu quarto no 32.º andar de um hotel. Já no caso do tiroteio na discoteca Pulse, na Florida, em Junho de 2016, o atirador Omar Mateen usou uma AR-15 de série, sem bump stock – chegou a disparar 24 tiros em nove segundos e matou 49 pessoas praticamente à queima-roupa.

Mudanças fora do Congresso

A primeira proposta concreta do Presidente norte-americano após o tiroteio da semana passada na Florida foi a proibição destes dispositivos através de uma regulamentação do Departamento de Justiça – uma proposta que está a ser criticada pelos defensores do controlo de armas, tanto por ser modesta, como por ter poucas possibilidades de vir a sair do papel.

Apesar de referir, na sua ordem ao Departamento de Justiça, que "a Administração Obama concluiu em várias ocasiões que os bump stocks eram legais", o Presidente Donald Trump disse que decidiu pedir "mais esclarecimentos sobre a lei que restringe a venda de metralhadoras automáticas".

Um processo que, muito provavelmente, terá o mesmo resultado: de acordo com a lei actual, a definição de uma arma automática não inclui qualquer referência a acessórios. Isto é, segundo a lei, uma arma semiautomática não pode ser transformada numa arma automática através de acessórios como o bump stock, apesar de na realidade este tipo de dispositivos aumentar a capacidade de fogo.

"Se o Presidente quiser realmente banir os bump stocks, terá de apoiar a nossa proposta de lei", disse no Twitter a senadora Dianne Feinstein, do Partido Democrata.  "Se a ATF [a agência de álcool, tabaco, armas e explosivos] tentar banir esses dispositivos depois de ter admitido que não tem autoridade para tal, o processo pode arrastar-se nos tribunais durante anos. A legislação é a única resposta".

Para além disso, o anúncio feito por Trump na terça-feira não trouxe nada de novo, sendo apenas o segundo passo, já esperado, num processo iniciado em Outubro – nessa altura, e na sequência do tiroteio em Las Vegas, o Presidente pediu à ATF que voltasse a estudar as leis para ver se poderia fazer mudanças às regulamentações. Nos últimos dias, chegou ao fim o período de comentários que os cidadãos podem fazer sobre esse processo; agora, com ou sem anúncio feito nas televisões por Trump, a agência e o Departamento de Justiça teriam sempre de preparar uma proposta, o que ainda demorar meses a tornar-se  realidade porque vai começar um novo período de comentários públicos.

Para a senadora Feinstein, o facto de o Presidente Trump não ter apresentado uma proposta nova sobre o controlo de armas e de ter vindo lembrar, na prática, que está a decorrer um processo – e um processo que já foi tentado na Administração Obama sem sucesso –, "torna difícil acreditar que é algo mais do que outra forma de os Republicanos impedirem um processo legislativo no Congresso".

Medida apoiada pela NRA

Para além do debate sobre a proibição dos bump stocks, a Casa Branca deu indicações de que apoia uma mudança nas leis actuais, através do Congresso, no que diz respeito aos background checks – os pedidos de informação que os comerciantes de armas com licença têm de fazer ao FBI sobre um candidato a comprador. Segundo a lei federal, só os vendedores licenciados são obrigados a pedir background checks, apesar de vários estados terem aprovado leis para estender essa obrigação a quem vende armas sem ter autorização para essa actividade, em feiras de armas ou em negócios particulares, por exemplo.

Tanto a vontade de proibir os bump stocks fora do Congresso como o apoio ao reforço dos background checks através do Congresso são duas medidas apoiadas pela National Rifle Association (NRA), pelo que o Presidente Trump não está em rota de colisão com o poderoso lobby das armas.

Em Outubro, após o tiroteio em Las Vegas, a NRA veio dizer que a Casa Branca "devia rever os bump stocks, para garantir que estão de acordo com a lei federal", mas uma porta-voz da organização, Jennifer Baker, deixou claro que não quer ver o assunto discutido no Congresso – onde uma eventual proibição seria mais difícil de contornar e onde, como é habitual, seria iniciadas outras discussões e propostas mais abrangentes sobre o controlo de armas. "Somos contra as propostas de lei da senadora Feinstein e dos congressistas Curbelo e Moulton. Essas propostas são propositadamente excessivas e levariam à proibição de acessórios comuns", disse a porta-voz.

Alunos mantêm protestos

À margem da discussão sobre as propostas da Casa Branca e as críticas do Partido Democrata e dos activistas, os alunos da Escola Secundária Marjory Stoneman Douglas manifestaram-se esta quarta-feira na capital da Florida, Tallahassee – e, tal como o fizeram num outro protesto, no sábado passado, voltaram a prometer que vão manifestar-se até que o Congresso faça alterações às leis de controlo de armas.

"Não vamos recuar. Normalmente os protestos começam a enfraquecer por volta desta altura. Mas nós não somos criancinhas. Tivemos de crescer muito depressa na última semana", disse Charlotte Dwyer, de 17 anos. No protesto estiveram também pessoas que estavam na discoteca Pulse na noite do tiroteio em Junho de 2016: "Esperamos que estes miúdos mudem as coisas. Se as nossas vozes não foram suficientemente ruidosas, talvez os legisladores ouçam as vozes do nosso futuro", disse Sylvia Serrano ao jornal Sun Sentinel, da Florida.

A insistência dos alunos da Marjory Stoneman Douglas e o facto de os media norte-americanos estarem a dar-lhes voz todos os dias, indica que, desta vez, o Congresso poderá mesmo ser pressionado a discutir alterações às leis – mas as primeiras indicações não apontam nesse sentido.

Já esta semana, na terça-feira, e com a presença de alunos da Marjory Stoneman Douglas nas galerias, a Câmara dos Representantes da Florida reprovou uma proposta para iniciar um debate sobre a proibição da venda de armas semiautomáticas como a que o atirador Nikolas Cruz usou na semana passada para matar 14 antigos colegas e três funcionários.

Essa proposta foi derrotada com os votos dos representantes do Partido Republicano, que na mesma sessão aprovaram uma proposta que classifica a pornografia como um problema de saúde física e mental.