Não, eu não quero trabalhar

Os anos passaram-se, a Troika foi-se embora e, aparentemente, agora há emprego. E muito. No entanto, o empregado continua a não ser valorizado, desta feita sendo visto como um preguiçoso que não quer trabalhar. E as vagas por preencher

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Alex Hiller/Unsplash

Primeiro não havia emprego e muitos, mais de 600 mil portugueses, tiveram de ir embora, sair do país para não voltar mais, sem vontade de voltar mais.

Os que cá ficaram, com medo de sair, com medo da falta de alternativas, com medo do desemprego, em suma com medo, tiveram de se sujeitar a cortes nos salários, a cortes nos subsídios, ao congelamento dos salários e da progressão na carreira, redução de períodos de férias, fim dos contratos de trabalho, flexibilização do trabalho, precariedade.

Porque, ao mesmo tempo e aproveitando a onda, era difícil despedir pessoas, tornando-se urgente flexibilizar os despedimentos. Na altura, em plena Troika e programa de ajustamento, o empregado não era valorizado, era visto como um preguiçoso que não queria trabalhar e merecedor do despedimento directo, eficiente, frio, triste.

Os anos passaram-se, a Troika foi-se embora e, aparentemente, agora há emprego. E muito. No entanto, o empregado continua a não ser valorizado, desta feita sendo visto como um preguiçoso que não quer trabalhar. E as vagas por preencher.

Repararam nas diferenças? Eu também não.

Quando, há dez anos, 600 mil portugueses saíram do país, muitas foram as vozes a alertar o poder e os governantes sobre a falta que tantas pessoas, e tantas pessoas qualificadas, fariam um dia. Mas, à data, ninguém quis saber. Pois bem, passados dez anos, esse dia chegou, há falta de trabalhadores, há falta de mão-de-obra qualificada e as universidades não só não conseguem formar profissionais em número suficiente como as empresas, e o país no seu todo, não conseguem reter os mesmos profissionais, aliciados por melhores salários e condições laborais por essa Europa e mundo fora.

Porque entretanto é preciso pagar contas, comer todos os dias, alimentar famílias, e quem hoje vive lá fora não pôde esperar por 2017 e pelo “milagre” da retoma económica. E quem hoje quer viver lá fora não pode viver em função de trabalhos sazonais, dependente das vontades dos empregadores, em função de salários abaixo do mínimo, abaixo do razoável, sempre por meio de empresas de trabalho temporário, trabalho temporário esse estendido ao longo de horas sem fim e anos sem fim num verdadeiro mundo português onde já não moram trabalhadores, apenas colaboradores.

Mas, se querem mesmo saber, tenho pena do Pedro Ferraz da Costa, o qual se limitou a passar o que os media têm repetido até ao infinito ao longo das últimas semanas em prol do alarmismo e da venda de jornais: há 148.000 vagas de emprego, entre agricultura, metalurgia, turismo, serviços, e os portugueses não querem trabalhar, são preguiçosos.

Acrescenta o Pedro Ferraz da Costa como os portugueses não têm oportunidades de aceder a cargos de chefia. Pois não, nem podem ter, pelo menos enquanto os mesmos cargos de chefia estiverem reservados a amigos e familiares directos, sempre por cunha, mas nem por isso por mérito. Assim, é difícil desenvolver a economia de um país, e nisto o Pedro tem toda a razão.

Eu estou lá fora e tenho visto as notícias. Como profissional ganho três vezes mais em comparação com igual posição em Portugal. Possa Portugal oferecer as mesmas condições salariais e a certeza de um contrato, férias, apoio na doença e na paternidade e amanhã, senão hoje mesmo ao fim do dia, prometo, estarei de volta ao sol do meu país e aos braços da minha mãe.

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