“The British Abroad”: voos low cost, insolação e vodka

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"Está escuro, faz frio, tem sido um mês horrível", conta o fotógrafo Peter Dench ao P3, por telefone, a partir do Norte de Londres. "Para alguns de nós [britânicos], a única coisa que nos mantém vivos é sabermos que iremos passar duas semanas ao sol, longe do emprego que detestamos." Dench compreende bem os seus compatriotas. "Quando chegamos ao destino, a única coisa que queremos fazer é apanhar uma insolação, enfiar a cabeça num aquário cheio de vodka e gritar com as mãos no ar." Foi isso mesmo que registou no projecto The British Abroad, que originou um fotolivro homónimo.

 

Peter Dench, hoje com 45 anos, lembra-se bem como foi, há 30 anos, a sua primeira viagem "ao estrangeiro". Destino: Magaluf, Espanha. "Tinha 14 anos quando visitei a Europa pela primeira vez. Fui com o meu pai, a minha mãe e a minha irmã. Comprámos um pacote de férias barato e embarcámos rumo a duas semanas de férias 'bebe-tudo-o-que-puderes'." Aos 14, Peter já ingeria bebidas alcoólicas. O seu pai, trabalhador da indústria cervejeira, trazia para casa um caixote do produto a cada duas semanas. "Quando me portava bem e cumpria todos os meus deveres, ele dava-me uma garrafa de cerveja. Foi assim desde os 11, 12 anos." Em Magaluf, no entanto, os seus pais já permitiam que bebesse rum. "O Bacardi era mais barato do que que a Coca-Cola e havia sempre promoções de pague um e leve dois", justifica. "Um dia, o meu pai foi acordar-me, de manhã. Parecia preocupado, perguntou-me se estava bem. Sim, estava. Contou-me que eu tinha adormecido duas vezes no bar, na noite anterior. Uma dessas vezes, na casa de banho. Não me lembrava de nada. Então ele perguntou se queria tomar o pequeno-almoço e uma cerveja. Colocámos os calções de banho e começou tudo outra vez." Não é com orgulho – nem pudor – que Peter partilha esta história.

 

Não faltam enormes outdoors publicitários de bebidas alcoólicas nos locais de destino de férias dos "boozy british". Peter Dench fotografou-os em Ibiza, Magaluf e Palma de Maiorca, em Espanha, Sunny Beach, na Bulgária, Ayia Napa, Chipre e Porec, na Croácia. "Não importa onde vamos; nós, britânicos, comportamo-nos sempre da mesma maneira." Peter refere-se a consumo excessivo de álcool, acompanhado de comportamentos violentos ou exibicionistas, mas não só. São os comportamentos perigosos, que colocam em risco de vida os intervenientes, que preocupam o fotógrafo. "A maioria destas pessoas nem sequer adquire um seguro de viagem, que normalmente custa 20 euros", lamenta. Os acidentes são diários. "Conheci um rapaz, por exemplo, que pisou várias garrafas partidas e rasgou os tendões do pé. Ele não quis ir a uma clínica porque iria gastar cerca de 400 euros no tratamento. Não foi. Em vez disso, decidiu beber um pouco mais." Calem, escocês de 19 anos, um dos retratados, ficou temporariamente preso a uma cadeira de rodas depois de ter atravessado uma porta de vidro e caído da varanda do primeiro andar do seu quarto de hotel. "Teve sorte porque foi do primeiro andar, sobreviveu. Na imagem, ele está a beber um cocktail antes do seu vôo de regresso. Dizia 'nada vai arruinar as minhas férias'."

 

O consumo de álcool está entranhado na cultura britânica, explica Dench. "Está presente em todos os eventos desportivos, é publicitado em todos os locais. É incontornável." A simbiose é centenária. "A nossa mentalidade insular e a nossa história bélica estão relacionadas." Segundo Peter, que desenvolveu, entre 1998 e 2008, o projecto Alcohol&England, o consumo de álcool diminuiu nos pubs de Inglaterra após o ano de 2008. A crise económica ditou a falência de muitos desses locais de convívio, motivo pelo qual "o pub deixou de ser o centro de cada vila ou cidade". "Já não é o coração da comunidade, como foi outrora. Ainda se vai, hoje, claro, mas o consumo de álcool em casa aumentou drasticamente." Os ingleses compram-no, mais barato, no supermercado e consomem-no em casa, antes de saírem para os bares. "Os ingleses bebem sozinhos ou na companhia da família, em frente à televisão. Não parece uma forma muito saudável de beber, pois não?"

 

"Um dia", prevê Dench, "os voos baratos vão acabar e os resorts vão começar a dispensar a presença de turistas britânicos; este período que vivemos agora será apenas uma coisa do passado". Os seus projectos têm sempre um cariz antropológico. "Espero que, dentro de dez anos, este livro seja um arquivo visual de como os britânicos se comportavam fora de portas." Dench, além de colaborador da agência Getty Images, é também videógrafo, escritor e curador de fotografia. Foi distinguido, em 2002, pelo World Press Photo na categoria People in the News Stories.