Cannabis: um caso de liberdade social e económica

Basta de perder oportunidades de desenvolvimento social e económico por incúria ou preconceito conservadorista.

Dezoito anos após a despenalização do consumo de cannabis, voltamos felizmente a debater o tema em Portugal. Infelizmente com uma posição, apenas, ao nível social, quando o debate deveria ser também ao nível económico.

É de saudar os recentes projetos-lei, tal como o debate acerca do uso de cannabis para fins medicinais, desenvolvidos pelo PAN e BE. Contudo, no que se refere à aprovação da utilização para fins medicinais e terapêuticos da cannabis nas suas várias formulações farmacêuticas possíveis (natural, comprimido, xarope, spray, etc.), é enganador pensar que esta seja uma competência política do Parlamento. Esta competência técnico-científica de aprovação, bem como de implementação e fiscalização, de “medicamentos de uso humano” no nosso sistema regulatório pertence, e bem, ao Infarmed.

Como salientou o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, já existe autorização em Portugal para a comercialização de um produto à base de alcaloides da cannabis (THC e CBD), o Sativex. Torna-se assim mais difícil entender o propósito legislativo em causa, pois chás, bolos e charros dificilmente serão aceites pela medicina convencional.

Cannabis: mais liberdade económica

Uma vertente da cannabis que tem sido pouco abordada é a do seu valor como matéria-prima industrial. O cânhamo industrial está a ser prejudicado pelo alegado combate à droga nacional e internacional, ou não fosse a sua regulamentação implicar a fiscalização pela Polícia Judiciária.

Pelo preconceito e pelo ímpeto proibicionista, praticamente se “ilegalizou” qualquer possibilidade de cultivo. É preciso desbloquear esta situação. Pois esta é uma planta de “sonho” para qualquer agricultor, seja pela dispensa de utilização de pesticidas, pela pouca exigência em água, ou sobretudo pelo seu crescimento estar principalmente dependente do fotoperíodo, ou seja, da luz do sol, algo abundante por estes lados.

De facto, é uma excelente aposta para o nosso solo. Por outro lado, serve como matéria-prima (o óleo a partir das sementes e a fibra a partir do caule) para um rol de indústrias, entre as quais várias já existentes em Portugal, tais como a do papel, têxtil, acessórios, sabonetes, óleos, cremes, alimentar, componentes automóveis, biocombustíveis, etc.

Depois de tanta polémica com o eucalipto, haja alguém com responsabilidades que venha lembrar uma planta que produz quatro vezes mais fibra por hectare do que o eucalipto em 20 anos! Que se revitalizem centenas de milhares de hectares por esse país fora. Esta é uma indústria que pode rapidamente mudar o panorama da nossa agricultura e da nossa estrutura económica.

Cannabis: mais liberdade social

Sou a favor de uma liberalização com uma verdadeira regulação e supervisão do uso recreativo. Como assinalou há dias a Iniciativa Liberal, “é preferível uma liberalização bem pensada a uma hipocrisia generalizada”.

A larga maioria dos atuais interessados na legalização da cannabis não são, mesmo depois do rol de dezenas de maleitas apresentadas nos projetos-lei de PAN e BE, os doentes que necessitam de alívio de sintomas e novas terapias. Para o alívio dos sintomas o mercado está repleto de soluções melhores ou equivalentes. Os verdadeiros interessados num projeto deste género serão sempre os utilizadores recreativos, que, infelizmente, continuam a alimentar um mercado ilegal de dimensões internacionais.

E que grandes dimensões! Ora vejam. Estima-se que cerca de 78 milhões dos 500 milhões de habitantes da Europa tenham experimentado cannabis pelo menos uma vez, 22,5 milhões consumiram-na no último ano, e 12 milhões usaram-na no último mês. O consumo anual de cannabis na Europa oscila entre 1000 a 7000 toneladas, o que equivale a um mercado de 15 a 35 mil milhões de euros. Portugal tem aqui uma oportunidade tremenda de se antecipar.

Será conveniente recordar que, sendo ilegal, a cannabis é a droga recreativa mais utilizada no mundo. Se, por um lado, as experiências em outros países provaram que não existe uma correlação expressiva entre a liberalização e a diminuição dos crimes graves (Uruguai), por outro foi possível provar a diminuição do consumo (Colorado, EUA).

Sabe-se que o consumo de cannabis aumentou em Portugal nos últimos anos. Talvez fosse possível fazer em Portugal como no Colorado, onde se aplica grande parte das novas receitas fiscais proporcionadas pela liberalização em campanhas de educação e informação acerca dos impactos da cannabis.

É fundamental falar na regulação e na fiscalização. Uma eficaz supervisão garante a qualidade do produto através de inspeções e análises químicas, impedindo a adição de substâncias nocivas ou de efeito desconhecido. Uma boa regulação, por sua vez, deve ser criteriosa quanto ao licenciamento da produção, garantindo um rigoroso controlo de qualidade (incompatível com o auto-cultivo), quanto aos locais de venda, e definir uma idade mínima para o consumo legal.

É urgente fazer este processo. Basta de perder oportunidades de desenvolvimento social e económico por incúria ou preconceito conservadorista. É necessário arriscar mais do que tem sido feito a nível político, inclusive com a atual solução governativa. Portugal está em mudança, mas continua com grande défice em matéria de liberdades sociais e económicas. Apostemos em construir um #PortugalMaisLiberal.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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